Não é tão comum ver o veleiro de Ademir Miranda, 63 anos, atracado no trapiche do Iate Clube Guaíba, na zona sul de Porto Alegre. O Entre Pólos passou metade do último ano navegando pela costa brasileira.
Com um sobrado em Cachoeirinha, na Região Metropolitana, o ex-empresário, conhecido como Gigante, transformou o barco de uns 30 metros quadrados na sua segunda residência — e a preferida, para falar a verdade.
— É aquele ditado: a casa é pequena, mas a piscina é grande.
A “piscina” já foi as águas azul-claras do Caribe ou mesmo em um oceano todo: quando fez 50 anos de idade, Gigante atravessou o Atlântico para chegar à Europa. Outro cenário que já serviu de quintal foi Fernando de Noronha, e várias vezes. Em julho, o velejador parte para sua nona regata até a ilha pernambucana.
O amigo e também velejador Bruno Prisco Junior, 55 anos, escutava e lia sobre as aventuras de Gigante mesmo antes de conhecer ele — destaca que é um ícone da vela brasileira, reconhecido internacionalmente.
Bruno acompanhou ele numa regata entre Recife e Noronha em 2018, no qual ficaram em terceiro lugar. No caminho, encararam calmarias, tempestade e “pirajas”, como são conhecidos os cúmulo-nimbos que se formam no meio do oceano e exigem manobras rápidas e precisas para evitar temporais. Enquanto isso, Bruno ia ouvindo as histórias da vela e da vida de Gigante.
— Como dizem seus amigos, é gigante no nome, no apelido e, principalmente, no coração — destaca.
Sempre que possível, Gigante é acompanhado por Cleuza, sua esposa há 35 anos. Ficaram entre agosto do ano passado e março navegando pela costa brasileira, fazendo serviço de charter no caminho para pagar as despesas do barco. Os filhos, Tayná, de 25 anos, e Junior, 33 anos, também já velejaram com os pais. O grande sonho de Gigante agora é ganhar o Pacífico para visitar o mais velho, que mora há cinco anos na Austrália.
De artesão hippie a velejador reconhecido
Gigante é natural de Blumenau, em Santa Catarina. Chegou em 1977 a Porto Alegre, vendendo seu artesanato na Rua da Praia. Ele era hippie naquela época, estendia um pano no chão para vender as bijuterias que fazia.
Acabou se mudando para Cachoeirinha, onde abriu uma fábrica de peças em couro: bolsas, carteiras, cintos e, mais tarde, jaquetas. Ali começou a construir ele mesmo um barco de madeira, que nunca colocou na água do Guaíba. Trabalhou nove anos nele e precisou vender “quando a coisa apertou”.
Mas a atração pela água era inevitável. Na escola, quando a professora pedia um desenho, fazia sempre uma montanha, um rio e um barco a vela. Se tinha enchente em Blumenau, pegava a canoa dos vizinhos escondido de noite para andar pela cidade.
O primeiro veleiro que Gigante teve era um snipe chamado Safado — diz ele que já comprou com esse nome. Era um barco pequeno, sem cabine. Ele e Cleuza armavam uma lona na retranca e passavam os finais de semana isolados do mundo no meio da Lagoa dos Patos, antes de engravidarem de Júnior.
Depois, Gigante teve o Saquarema, de 16 pés, o Libertad, de 19 pés, o Olimar, de 23 pés, que rebatizou com o nome da sua empresa, Entre Pólos —foi o primeiro de três com esse nome. Há 15 anos, tem um veleiro de 42 pés, que comporta até nove pessoas.
A família não se aperta no barco. Para exemplificar, ele mostra o box do chuveiro: até ele, com seus 1,93m de altura, pode tomar banho em pé. Liga o motor do barco por 15 minutos para esquentar a água do banho e de todas as torneiras.
Todo dia, um quintal diferente
O veleiro também tem ar-condicionado, TV, uma foto da família dentro de um porta-retrato em forma de boia salva-vidas e até uma pequena biblioteca, com livros náuticos. A cozinha é equipada com fogão, forno, geladeira, congelador e microondas, e Gigante ainda leva nas viagens uma churrasqueira portátil.
O Entre Pólos tem três cabines. Na da proa, é possível ver o céu estrelado pela claraboia. É onde Gigante dorme com Cleuza.
- Pelo menos enquanto eu não ronco - ri o velejador.
É um dos maiores do Iate Clube Guaíba, embora seja um nanico entre os barcos que atracam no Caribe. Por falar nesse mar, lá fica um dos destinos mais incríveis a que a vela já levou Gigante, uma ilha chamada Union Island, em São Vicente.
- Parecia que tinha refletores voltados para a água, refletindo tantos tons de azul.
O velejador também já ladeou a a Ilha de São Jorge, nos Açores, atravessada por uma cordilheira montanhosa, e à altura de Morro de São Paulo, na Bahia, sentiu os respingos da água esguichada pelas baleias a alguns metros do barco.
- No veleiro, todo dia tem um cenário diferente. E se você não gosta da vizinhança, muda.