Os vira-latas Mingau, Luna, Sol e Pretinha correm até o Guaíba, pulam na água e rolam no cascalho como qualquer cão que cresceu na rua. Ao se aproximarem de algum visitante, no entanto, sentam-se à espera de carinho.
O quarteto de “terapeutas” da Fundação Bichoterapia recebeu treinamento para lidar com idosos e pessoas em casas de acolhimento, como centros de tratamento a dependentes químicos ou lares para crianças judicializadas, que vivem em lares temporários.
— Eles são capazes de sensibilizar as pessoas, encantar nossos acolhidos. A visita vira uma festa — afirma a fundadora da ONG, Waleska Cavalheiro, 67 anos.
A terapia assistida com animais tem como objetivo principal integrar os animais, na reabilitação de pessoas com limitações físicas, cognitivas, ou que necessitem de companhia, em momentos de distração.
Nada é cobrado pela fundação para o encontro dos animais com os internos. Os eventos são organizados a partir de contato das psicólogas das instituições com os voluntários. Todas as despesas com deslocamento, hospedagem e manutenção dos bichos são bancados pelos poucos colaboradores — o grupo busca parceiros para amenizar os custos, além de haver espaço para o trabalho de maior recompensa, segundo a coordenadora: conduzir os cães nas visitas.
— Uma vez, a cachorrinha botou as patinhas no joelho de um senhor cadeirante. Ele perguntou de quem era, eu respondi que era minha e ele disse: "dá pra mim". Se apaixonou. É emocionante — relembra Waleska, citando uma visita aos velhinhos da Sociedade Porto-alegrense de Auxílios aos Necessitados (Spaan).
Procuradora de Justiça, Waleska iniciou as atividades de terapia assistida com os animais em 2014. Na época, apresentou denúncias contra maus-tratos que cavalos sofriam por parte dos carroceiros. Ao assistir a reportagem de uma norte-americana com problemas de audição, auxiliada por um cachorro com treinamento semelhante, decidiu se envolver na causa.
Na última terça-feira (20), a procuradora teve o reconhecimento de suas ações: um projeto de lei da vereadora Lourdes Sprenger (MDB) foi sancionado pela prefeitura, declarando de utilidade pública a Fundação Bichoterapia.
— A titulação é mais uma referência positiva para o trabalho de terapia que eles desenvolvem. Sabemos do belo trabalho, das campanhas beneficentes e também de castração — afirma a parlamentar da Câmara de Porto Alegre.
Catiane Mainardi, diretora-geral do Gabinete da Causa Animal da prefeitura de Porto Alegre, destaca que a declaração de utilidade pública é um reconhecimento pela relevância e compromisso da ONG:
— No caso da Fundação Bichoterapia, o interesse público reside na promoção da saúde humana e animal, por meio do desenvolvimento, estudo e incentivo a práticas de interação entre pessoas e animais, visando especialmente à realização de tratamentos terapêuticos, a reabilitação de pessoas com necessidades especiais e sua integração à vida comunitária.
Os guaipecas que atuam na terapia foram resgatados próximo a um lixão, na Zona Leste. Têm suas personalidades distintas, o que é importante para cada público atendido, segundo o especialista em comportamento canino Roberto Michaelsen, 61 anos, proprietário da escola de treinamento EducaCão, local onde vivem os animais da ONG.
— Se for atender uma criança hiperativa, é importante ter um cachorro calmo. Se a pessoa é introspectiva, o oposto, um cão mais agitado — exemplifica.
A área de 6 mil metros quadrados fica no bairro Ponta Grossa, extremo-sul da Capital. Além do Guaíba, que oferece mergulhos diários, os pets têm um amplo pátio com árvores à disposição. Ao todo, 30 animais são hospedados atualmente — quatro “terapeutas formados” e outros quatro em processo de se tornarem parte da equipe. A clínica é parceira da fundação no auxílio das despesas.
O adestramento utiliza objetos semelhantes aos que a matilha pode encontrar durante a visita, como cadeiras de rodas e bengalas. O objetivo é deixá-los familiarizados com os acessórios, para garantir que tenham comportamento adequado à necessidade especial de quem recebe a terapia.
A base do tratamento, reafirma Michaelsen, é o amor. Ele dedica a vida ao cuidado com os animais há quase 40 anos:
— Devo tudo que tenho aos cães, e quando posso contribuir para cães e para humanos, dá uma satisfação muito grande. O fantástico é que esses aqui, que desenvolvem a assistência, são os que precisavam de ajuda na rua — diz o empresário.
Pelas redes sociais, dados bancários e campanhas em andamento para ajudar a Fundação Bichoterapia podem ser encontrados. O projeto tem páginas no Facebook e no Instagram.
Após uma rápida escapada ao Guaíba, os cães terapeutas se despediram da reportagem de GZH — muito mais sujos do que no início da manhã desta quinta-feira (22). Ganhariam mais um banho de Versilei Maidana, 39 anos, funcionária da EducaCão há quase uma década.
— Para mim, cuidar deles já é uma terapia. Me curei da depressão com os cães. Não troco esse serviço por nada — garante, com a tropa a caminho do canil.
Ouça a entrevista de Waleska Cavalheiro e Roberto Michaelsen ao programa Gaúcha Hoje, da Rádio Gaúcha: