Com um sorriso que dá para ver até por trás da máscara. Assim estão os moradores do Mato Sampaio, comunidade do bairro Bom Jesus, na Zona Leste de Porto Alegre. Depois de um longo período de incerteza sobre a terra onde habitam, as famílias receberam uma boa notícia.
A Câmara de Vereadores rejeitou, por unanimidade, o veto da prefeitura e aprovou a transformação do espaço onde está o Mato Sampaio em Área Especial de Interesse Social I (AEIS I) — destinada, conforme o Plano Diretor de Porto Alegre, a assentamentos autoproduzidos de população de baixa renda em áreas públicas ou privadas.
O cenário nas vielas da comunidade também já começa a mudar. Apesar da infraestrutura muito precária, sem qualquer tipo de pavimentação, equipes trabalhavam na instalação na rede de esgoto durante visita da reportagem nesta semana. Moradores contam que os trabalhos iniciaram há pouco mais de um mês. Com a conversão do local em área de moradia, as famílias também ganham tranquilidade para investir em melhorias, pois muitas residências são pequenos casebres sem qualquer estrutura.
Na casa onde mora o casal Ismael Ribas, 32 anos, e Franciele Gonçalves, 30 anos, o clima é de felicidade. Trabalhando com reciclagem no pátio da própria residência, eles estão aliviados com a conclusão do processo que quase os deixou sem ter onde morar. Além do casal, cinco filhos também moram no espaço. Ismael conta que se mudou para aquele ponto do Mato Sampaio já sete anos, mas já mora na comunidade há mais tempo. É a história de boa parte dos moradores, que cresceram em outros pontos da Bom Jesus, formaram família e se estabeleceram dentro do próprio bairro, mas em pontos diferentes.
— Teve gente que até saiu, ficou com medo de perder tudo. A gente esperou, não tínhamos para onde ir mesmo. Ainda bem que a situação se resolveu — comemora Franciele.
A dona de casa Silvana Moraes da Silva, 26 anos, quer investir em melhorias logo. Apesar do terreno amplo, sua casa é pequena para comportar ela, dois filhos e o marido, o reciclador Luciano da Silva Nunes, 34 anos. Com a legalização da área, a moradora Mato Sampaio já traça planos para o futuro com mais tranquilidade e sem um mar de incertezas pela frente.
— Dá para construir sem medo que seja derrubado amanhã — conta ela.
Renda garantida
Outro ponto que gerou revolta entre os moradores era que a reintegração de posse colocaria abaixo um galpão de reciclagem que emprega várias das famílias do Mato Sampaio e de outros ponto do bairro Bom Jesus. A recicladora Anne Caroline Costa dos Santos, 28 anos, também comemorou ao ser avisada de que o processo tinha chegado ao fim na Câmara de Vereadores.
— Hoje (terça-feira), faz 11 anos que estou aqui. Saber que vou poder continuar morando na minha casa é muito bom — conta Anne.
No galpão de reciclagem, Anne divide os trabalhos outros moradores, como Cláudia Brito, 48 anos, e Sonja Helena Moraes, 70 anos, mais da metade destes vividos na Bom Jesus.
— Me criei, formei família, tive filhos e netos aqui. E agora vou poder continuar morando na minha terra — diz Sonja.
Mais de um ano sob tensão
Desde setembro do ano passado, famílias de 56 casas sofriam pressão para deixar a área, sob a alegação de as residências seriam demolidas para construção de uma praça e abertura de uma rua. Obras que seriam contrapartida para um condomínio de classe média alta instalado próximo ao local. Há anos, os moradores da Bonja relatam temor com o crescimento dos condomínios que tentam suprimir quem já vive na região há décadas.
No caso do Mato Sampaio, a situação não foi para frente. A Justiça suspendeu a reintegração de posse, já que a prefeitura não havia garantido a segurança dos moradores que seriam tirados de suas casas.
Logo depois, a Câmara de Vereadores encaminhou um projeto de lei que transforma a área em AEIS I. Com isso, a tensão suspendeu-se por alguns meses, até projeto ser aprovado em julho deste ano e o prefeito Nelson Marchezan vetar a lei aprovada no Legislativo, sob alegação de inconstitucionalidade. Entretanto, no início deste mês, o projeto voltou para a Câmara e o veto do Executivo foi rejeitado por unanimidade, encerrando o imbróglio.