Moradores do Quilombo Lemos terão 45 dias para deixar a área onde residem, ao lado do Asilo Padre Cacique, na Capital. O prazo foi dado em despacho da juíza federal Clarides Rahmeier, da 9ª Vara Federal de Porto Alegre, no dia 20. Ele favorece a Sociedade Humanitária Padre Cacique, mantenedora do asilo, que pede a reintegração de posse da área.
Após determinação da Justiça Estadual, 15 policiais militares chegaram a ir até o número 1.250 da Avenida Padre Cacique em novembro de 2018, mas a reintegração foi suspensa após moradores e a Defensoria Pública reclamarem que não estava sendo cumprido o protocolo para a desocupação. Eles reivindicavam a presença do Conselho Tutelar e a realização de um planejamento sobre o destino das famílias.
Esse mandado acabaria não mais sendo cumprido, pois o caso foi levado para a Justiça Federal após a comunidade receber da Fundação Cultural Palmares o certificado de autodefinição como quilombo. Porém, no começo deste mês, a desembargadora Vânia Hack de Almeida, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, declarou que não pode deliberar sobre o caso porque já foi transitado em julgado em âmbito estadual, em favor do asilo. Depois disso, foi dado novo prazo para a desocupação.
Cerca de 30 pessoas moram em quatro casas no local. Até esta sexta-feira (27), as famílias ainda não haviam sido intimadas. A partir desse momento, explica o advogado do Quilombo Lemos, Onir Araújo, é que corre o prazo para deixar a área voluntariamente — ainda deve ter um acréscimo de 17 dias em razão do recesso de final de ano.
Mas a defesa do Quilombo Lemos vai entrar com um pedido de reconsideração levando em conta a complexidade do caso e o quadro da pandemia de coronavírus.
— Tem uma orientação do Supremo Tribunal Federal que se refere a terras indígenas desaconselhando remoções neste período. Inclusive o TRF4, analisando caso similar, de um quilombo, entendeu de não deferir a remoção, fazendo referência a essa orientação — acrescenta Araújo.
Uma das lideranças do quilombo, o segurança Sandro Lemos, 45 anos, acrescenta:
— A gente sempre viveu aqui, isso é nosso. A gente não tem plano B.
O Ministério Público Federal também analisa a possibilidade de recorrer da decisão da Justiça Federal.
A assessoria de imprensa do Asilo Padre Cacique informou que a instituição está analisando a documentação e não vai se pronunciar no momento.
A origem do quilombo
A área ao lado do asilo é ocupada por filhos e netos de Délzia Gonçalves de Lemos e Jorge Alberto Rocha de Lemos, já falecidos. Eles eram funcionários do Asilo Padre Cacique. Segundo relatório produzido pelo Núcleo de Estudos Geografia e Ambiente da UFRGS, o casal mudou-se para a área por volta de 1964, vindo do bairro Lomba do Pinheiro, para morar mais perto do trabalho.
Em 12 de novembro de 2018, a Fundação Palmares emitiu a certidão de autodefinição quilombola da comunidade, iniciando também os trâmites para o processo de titulação do território junto ao Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra). Porém, desde o começo do governo de Jair Bolsonaro, não houve avanço junto à autarquia federal para a obtenção do título de propriedade coletiva ao quilombo. E com a pandemia, relata Araújo, o processo praticamente parou.
— De longo tempo, há reclamações na demora da tramitação junto ao Incra. Se já era lenta antigamente, foi perceptível uma redução drástica: está praticamente paralisada a pasta referente a quilombolas — diz o advogado.
Ele acredita que, com essa titulação junto ao Incra, a reintegração seria dificultada.
O que o asilo pretende fazer na área
Inicialmente, o objetivo do Asilo Padre Cacique era a construção de um Centro de Convivência para os idosos no local. No ano passado, quando o caso foi enviado para a Justiça Federal, suspendendo a reintegração de posse, a assessoria do asilo divulgou um texto em que se referia à área como “uma casa da zeladoria existente dentro do terreno do Asilo”.
Nele, a instituição acusa de haver no Brasil “uma série de grupos oportunistas que, vislumbrando a possibilidade de obter proveito próprio, passaram a pleitear o reconhecimento de falsas comunidades remanescentes de Quilombo”. O presidente do Asilo Padre Cacique, Edson Brozoza, afirmou que houve uma “auto declaração de quilombolas de conteúdo ideológico falso” e que “a farsa montada causa enorme prejuízo aos idosos carentes”.
O advogado do Quilombo Lemos afirma que "são descabidas essas alegações, além de levianas, e não merecem maiores considerações além daquelas presentes nos autos". Ele afirma ainda que algumas "informações caluniosas" do presidente do asilo, inclusive com ameaças às lideranças do Quilombo, foram objeto de ocorrência junto à Polícia Federal.