Fica em uma ladeira do Centro Histórico um dos botecos mais tradicionais de Porto Alegre, o Bar Chopp Tuim. Não apenas pela história (e lá se vão pelo menos 79 anos), mas especialmente pelo cardápio e clima raiz preservados dentro de 50 metros quadrados.
Paulo Sant’Ana mais de uma vez usou a coluna em ZH para venerar o local do "melhor bolinho de bacalhau" e do "chope mais bem tirado" da cidade – um patrimônio cultural e relicário humano e pitoresco da cidade, nas palavras dele. Outro colunista conhecido dos gaúchos, David Coimbra, também já foi frequentador.
— Eu diria que é um naco do Rio de Janeiro bem no centro de Porto Alegre — diz David.
O bar foi registrado em 1941 por um ucraniano, chamado Demetrio Korenowski. Foi aberto na Rua Uruguai, e transferido para a lomba da General Câmara em 1958, onde está até hoje. Há mais de 60 anos, está na família de Andre de Azevedo Ervalho, 40 anos – quem administra hoje. Primeiro foi do filho de criação dos seus avós, e, há 32 anos, foi vendido ao pai dele, Manuel Gomes Ervalho.
Não é a toa que tem no bolinho de bacalhau o carro-chefe: a família de André veio toda de Portugal. Seu pai emigrou quando tinha 19 anos de idade, fugido da ditadura de Salazar.
Era o próprio Manuel quem fazia os bolinhos até antes da pandemia, aos 82 anos. Por ser grupo de risco, a família decidiu manter ele afastado nos últimos meses. Ou ao menos tentar. Por três vezes, seu Manuel fugiu de casa e foi aparecer no bar.
André trabalha no bar desde os 14 anos de idade. Atendeu uma clientela composta por advogados, jornalistas, médicos, comerciantes, magistrados, funcionário públicos, garis. Mas muito também por políticos. Conta que Olívio Dutra e Tarso Genro já foram clientes. E não só reduto de líderes da esquerda: o ex-deputado e hoje prefeito Nelson Marchezan dava o ar da graça quando tinha o escritório parlamentar ali perto.
É um boteco onde se formam grandes debates, destaca André. E já foi palco de algumas polêmicas também. Em 2006, o Tuim virou notícia após instalar uma placa de “exclusivo para fumantes” no começo da vigência da lei que proibia o cigarro em locais fechados. Foi o primeiro estabelecimento da Capital multado por desobediência à legislação, marchando com R$ 414,38, na época. Fumante e debatedor inveterado, Sant’Ana, é claro, saiu em defesa do bar, dizendo que não permitir acesso dos fumantes ao Tuim é " uma truculência".
A tradição do Tuim é inversamente proporcional a seu tamanho. A capacidade é de 55 pessoas em dias de tempo bom em que é possível usar as mesas na rua. Mas até uns 10 anos atrás, cabiam cerca de 15 clientes no bar.
Ser pequeno acaba proporcionando um dos diferenciais do bar, segundo o próprio André:
– A gente conhece quase todos os clientes, se eu já te conheço e chega uma pessoa que conheço também, vou botar na tua mesa, afinal é amigo nosso. E viram amigos na hora. Isso não existe em outro bar.
Clientes tipo o Carlos Augusto Konin Marques, 55, sushiman, sentado na mesa ao lado da que a repórter conversava com André. Ele interrompe a entrevista para contar que já frequenta há 40 anos. Começou a ir com a avó dele, dona Gabriela.
– Ela vinha duas, três vezes por mês. E eu, com 15 anos, já gostava de tomar um chope. Gostava da espuminha – diverte-se com a recordação.
Ao Tuim, André não consegue imaginar nada diferente de uma longa vida. Comemora que o público antigo permanece, mas também se renova, com estudantes que frequentam o centro em busca de um boteco tradicional.