A cheia do Guaíba, que atingiu 2,61m na manhã deste sábado (11), obrigou moradores a saírem de suas casas na região das ilhas, em Porto Alegre. Com o avanço da água, quem vive em regiões ribeirinhas resgatou alguns pertences e buscou abrigo em residências de amigos e parentes. Alguns passaram a noite em automóveis. Na Ilha do Pavão, sete famílias se dividiram para dormir em um Escort, um Golf e em quatro kombis.
Mesmo com frio, Breno Borges, 21 anos, diz ter passado bem a noite em uma das kombis, acompanhado dos cinco filhos e da esposa. Para o veículo, apenas cobertores e algumas peças de roupas foram levadas. Travesseiros e uma sacola com alimentos também ocupavam o espaço.
Os móveis estão empilhados dentro da residência da família, onde a água já havia invadido os cômodos. Breno não se preocupa com furtos dos eletrodomésticos:
– Aqui é muito tranquilo. Todo mundo se conhece e se ajuda. O ruim é que não vem ajuda pra nós – reclama.
Marcelo Borges, 25 anos, dormiu com a esposa e a filha de sete anos em outro veículo. Ao avistar a reportagem, ele calçou botas de borracha para conferir a situação na sua casa, abandonada desde sexta (10). Segundo ele, a menina foi a mais afetada por dormir na caminhonete.
– Ela sente falta do cantinho dela – conta.
A reportagem de GaúchaZH voltou aos mesmos locais onde esteve na manhã de sexta (10) e constatou elevação em trechos antes visíveis. Principal via da Ilha Grande dos Marinheiros, a Rua Nossa Senhora da Conceição teve um avanço do alagamento em uma área de ao menos cem metros de extensão. A água cobriu um dos canteiros de obras da nova ponte do Guaíba.
Marco André, 39 anos, não conseguiu contabilizar o quanto foi perdido, pois dormiu fora de casa.
– Todo ano a água vem e a gente perde. Só conseguimos salvar os bichos e as crianças – afirma.
Na Avenida Martinho Poeta, bairro Picada, próximo da ilha das Flores, somente barcos podiam cruzar. Em uma prancha de stand-up, com o apoio de uma vara de madeira, um homem circulava pelas casas, ouvindo os moradores.
O deck da colônia de pescadores Z-5, na Ilha da Pintada, teve a passarela coberta pela água, que corria com força ao lado do rio. Moradores relataram ter visto uma lancha de grande porte passar pelo trecho, após desengatar-se do píer. Encontrado correndo de um lado para o outro, o homem que seria o proprietário da embarcação não quis se identificar, apenas disse que "não era um bom dia".
A Rua Nossa Senhora da Boa Viagem tem trechos interditados, com automóveis impedidos de sair da garagem. Em outras partes, botes se tornaram o único meio de transporte viável. Na calçada em frente à Escola de Ensino Fundamental Maria José Mabilde, a água inundou a soleira da porta, indicativo de que a correnteza pode ter chegado ao interior da instituição.
Na casa do soldador Alfredo Ribeiro, 58 anos, os móveis da cozinha e a parte de baixo do sofá ficaram molhados. A geladeira e a máquina de lavar foram colocadas em cima das mesas. Dentro da residência, as marcas na parede alcançavam quase um metro e, ao caminhar para mostrar os estragos, o volume de água chegava ao joelho do morador. Essa é a segunda grande enchente na década que ele enfrenta. Na de 2015, a maior parte da mobília acabou no lixo.
– Agora é esperar baixar, lavar a lama e ver o que sobrou. E trabalhar para comprar tudo de novo – diz, resignado.
Vivendo há três anos no Brasil, o haitiano Carlos do Nacien, 28 anos, não se queixa de ter tido seu barraco inundado:
– No Haiti estava pior, sem emprego. Aqui a gente consegue comer – compara.