Um dia após o anúncio da suspensão de pagamentos às escolas comunitárias de educação infantil de Porto Alegre, decisão que motivou protestos e aglomeração de pessoas em frente ao Paço Municipal na quinta-feira (16), o secretário municipal da Educação, Adriano Naves de Brito, reforçou que todos os convênios serão retomados após o término da situação de calamidade pública provocada pela pandemia de coronavírus.
Em 207 instituições, a rede comunitária atende 20 mil crianças de zero a cinco anos e 11 meses na Capital e emprega 4 mil funcionários. A suspensão dos contratos é retroativa a 1º de abril e tem, entre as principais justificativas, o agravamento da situação fiscal do município, com projeção de queda da receita em no mínimo 25%, e a interrupção das atividades escolares em 20 de março em uma tentativa de frear a propagação da covid-19.
No ofício enviado às entidades, a prefeitura afirma que os trabalhadores das escolas poderão aderir ao Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, lançado pelo governo federal no começo de abril, para compensar as perdas salariais. O programa prevê a concessão de benefício aos trabalhadores que tiverem jornada reduzida ou contrato suspenso. Cada escola terá de fazer o cadastro do seu corpo técnico:
— Desenhamos este modelo justamente para que os empregos sejam mantidos. Não estamos rompendo contratos, temos termos de parceria por cinco anos. Estamos fazendo isso para a manutenção do sistema — justifica o secretário.
De acordo com Brito, quando recomeçarem as aulas, imediatamente os valores voltarão a ser repassados às escolas. Nenhum contrato será revisado, e a vigência seguirá sendo cumprida, ele garante. Sobre as dívidas das instituições que devem se acumular neste período, o secretário aconselha diretores a pedir flexibilidade a fornecedores:
A rede comunitária atende três quartos da educação infantil de Porto Alegre, não vamos romper contratos. Não temos nenhuma pretensão de mudar esse trabalho ou de desmontar essas instituições.
ADRIANO NAVES DE BRITO
Secretário Municipal de Educação de Porto Alegre
— Estamos vivendo um momento de exceção, em que todos estão com problemas: as famílias, o Estado e a prefeitura. Não sabemos quanto tempo as escolas ficarão fechadas, mas quando retornarem, estas dívidas terão de ser renegociadas.
Embora o ofício diga que a suspensão vale a partir de 1º de abril, as escolas foram comunicadas da mudança apenas na quinta-feira, dia 16. O secretário afirma que está sendo estudada uma forma de pagar pelos dias de abril, até a data da divulgação do ofício. O secretário reforça que, no momento, está descartado o uso de recursos na conta poupança das escolas — direcionado às verbas rescisórias e férias — para sanar despesas dos próximos meses:
— Isso só vai mudar com expressa autorização da secretaria.
A respeito das escolas serem referência em distribuição de alimentos e cestas básicas nas comunidades em que estão inseridas, o secretário disse que este papel será concentrado na Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), o que, nas palavras dele "não impede que as escolas façam isso voluntariamente".
— A rede comunitária atende três quartos da educação infantil de Porto Alegre, não vamos romper contratos. Não temos nenhuma pretensão de mudar esse trabalho ou de desmontar essas instituições.
O relator das contas do prefeito Nelson Marchezan no Tribunal de Contas do Estado (TCE), Cezar Miola, solicitou à unidade técnica do órgão de controle informações sobre o que a prefeitura fez, vem fazendo e pretende fazer em relação a esta situação. Além da suspensão dos contratos, a principal preocupação do relator é em relação ao fornecimento da alimentação feito pelas instituições.
"As instituições estão fadadas a quebrar"
À frente do Fórum Municipal do Direito da Criança e do Adolescente, órgão que congrega as instituições que têm convênios com a prefeitura na área de educação e assistência social, Carolina Aguirre Silva afirma que entende o momento enfrentado pelo governo municipal, mas considera que a falta de diálogo pode gerar prejuízos irreversíveis para as escolas:
— No final de março, fomos avisados de que haveria uma redução de verba. Agora, fomos pego de surpresa com a suspensão total, algo comunicado por ofício. Em um momento como esse, a prefeitura está nos criando um passivo trabalhista enorme. As instituições estão fadadas a quebrar, tudo está se complicando.
Carolina reforça que está disposta a negociar com a prefeitura condições mais favoráveis às escolas.
Para as líderes de instituições ouvidas pela reportagem, o cenário que se avizinha é de incertezas e endividamento. Diretora da Escola Tia Iara, na Vila Cruzeiro, Walesca Scatola afirma que contas de água, energia elétrica, internet e pagamento de colaboradores que faziam manutenção predial irão se acumular. A instituição atende 45 crianças e tem nove colaboradores:
O sentimento é de desespero total. Ficamos desemparados pelo órgão que deveria estar com a gente nesse momento. Como vamos conseguir reorganizar as contas? Todo mundo foi pego de surpresa.
WALESCA SCATOLA
Diretora da Escola Tia Iara, da Vila Cruzeiro
— O sentimento é de desespero total. Ficamos desemparados pelo órgão que deveria estar com a gente nesse momento. Como vamos conseguir reorganizar as contas? Todo mundo foi pego de surpresa.
Walesca argumenta que, mesmo após a suspensão das aulas, a Tia Iara atendia famílias das 9h às 13h distribuindo cestas básicas:
— Semanalmente, buscávamos doações e distribuíamos para o pessoal que vinha aqui buscar. Nos mobilizamos o tempo todo. 70% das famílias que atendemos precisam dessa ajuda, somos uma referência dentro da comunidade. A prefeitura lavou as mãos para nós. A revolta é nossa e das famílias que atendemos.
Diretora da Escola Cheirinho de Mãe, na Restinga, Andresa de Los Santos, afirma que a escola não dispõe de recursos para pagar as contas já do próximos mês. Entre os gastos, a instituição também paga aluguel pelo prédio, já que funciona em uma casa que foi adaptada para ser uma escola. A partir de agora, Andresa pretende começar a negociar com fornecedores. A escola atende 54 crianças e tem nove colaboradores.
— Se não pagarmos nossa contadora, como vamos manter nosso CNPJ?
A situação, segundo a diretora, gera uma insegurança sobre como será o retorno às atividades quando a pandemia passar. Andresa reforça que a escola não possui um caixa com dinheiro guardado, pois não visa ao lucro. Valores espontâneos pagos pegos pelos pais são usados em oficinas de capoeira, balé e ioga.
— A escola não tem de onde tirar dinheiro, não tem verba extra, não tem lucro. Tudo que entra via Smed vai para as despesas. Esse corte deixa todo mundo sem assistência.