Ao lado de Giuseppe, Anita Garibaldi aponta em direção à Cidade Baixa com uma expressão enérgica, mas já não lhe resta nenhum dos dedos de mármore italiano na mão. A quatro quadras dali, na Avenida João Pessoa, Bento Gonçalves assistiu, em apenas dois meses, ao furto das duas placas de bronze da base do monumento, fundidas na Alemanha em 1935.
Se nem as figuras mais aclamadas da história gaúcha escapam do vandalismo da Porto Alegre do século 21, são raros os exemplares intactos entre os mais de 200 bustos, estátuas, esculturas e placas da cidade. Inconformada, uma restauradora dedicou as últimas duas décadas a pesquisas e a projetos para reduzir os danos ao patrimônio histórico da Capital.
A mais nova ideia de Alice Prati é uma espécie de Big Brother pela preservação. A coordenadora do projeto S.O.S Monumentos propõe a criação de aplicativo de smartphone para transmissão de imagens, em tempo real, de esculturas e sítios históricos de Porto Alegre. Também teria, na plataforma, a possibilidade do usuário se comunicar com a Guarda Municipal para alertar flagras de vandalismo.
Para a especialista, é necessário fazer os moradores criarem o sentimento de que também são donos desses marcos.
— Fiquei pensando em como fazer que a população desenvolva o antídoto para a degradação. Não trabalhando o degradador, porque, mesmo tendo lei, a gente não vê um caso de punição por vandalizar — diz a restauradora, concluindo:
— Nós temos que pegar aquela parte da população que gosta, mas ainda não tem a sensação de pertencimento, e entregar os monumentos para ela cuidar.
Alice vê seis locais recebendo a proposta inicialmente: o recém repaginado Largo dos Açorianos, o Viaduto Otávio Rocha — sobre a Avenida Borges de Medeiros —, a Estátua do Laçador, o Monumento ao Expedicionário — na Redenção —, e os já citados Monumento a Giuseppe e Anita Garibaldi — na Praça Garibaldi —, e a Bento Gonçalves — na João Pessoa. Poderia se dar por meio de câmeras já existentes, que transmitem imagens ao Centro Integrado de Controle (Ceic), e provavelmente pela instalação de novas, focando nos monumentos. Mas ainda não existe um protótipo do aplicativo ou orçamento para os equipamentos: depende de apoiadores para viabilizar o projeto. Interessados podem entrar em contato pelo e-mail lumentempusrestauracoes@gmail.com.
Alice acredita que o aplicativo teria boa adesão, e rechaça a hipótese de estar solitária na cruzada contra o vandalismo.
— As nossas memórias estão muito doentes em Porto Alegre, e me sinto muito tranquila de estar fazendo a minha parte.
A Secretaria Municipal de Segurança se manifestou por nota, dizendo que, "se esse app for alternativa da iniciativa privada para colaborar com o Poder Público, será muito bem-vindo".
Não é a primeira tentativa da restauradora para salvar o patrimônio histórico. Recentemente, o colunista Paulo Germano mostrou o sistema antifurto que ela bolou para evitar que monumentos sejam surrupiados. Primeiro, Alice retiraria a placa e, na parte de trás, aplicaria uma espécie de supercola. Antes de devolver o monumento à pedra, ela atravessaria a chapa com parafusos especiais — e eles têm a cabeça lixada de tal forma, que é impossível introduzir algum instrumento embaixo dos pinos. Mas a restauradora diz não ter sido procurada pela prefeitura para dar seguimento à iniciativa.
Pelo Projeto Construção Cultural, o Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-RS) recuperou 32 monumentos do Parque da Redenção. Mas o coordenador, Zalmir Chwartzmann, estima que 90% voltaram a ser vandalizados.
— É tão absurdo as pessoas se dedicarem a destruir o patrimônio público, é uma tristeza — lamenta Zalmir, que é a favor do cercamento do parque, um assunto em debate na Capital nos últimos anos.
Como funcionaria o aplicativo
- A ideia é de que sejam instaladas novas ou sejam aproveitadas câmeras já existentes junto a monumentos da cidade.
- Largo dos Açorianos, Viaduto Otávio Rocha, Estátua do Laçador, Monumento ao Expedicionário, na Redenção, monumentos a Giuseppe e Anita Garibaldi, na Praça Garibaldi, e a Bento Gonçalves, na João Pessoa, são os primeiros listados.
- Essas imagens seriam divulgadas 24 horas por dia em um aplicativo para smartphone, para qualquer porto-alegrense acompanhar.
- Se flagrar algum ato de vandalismo, o usuário poderia avisar as autoridades locais.