Certa vez, em um funeral, Reinaldo Ávila fez como lhe é de praxe: chamou um dos familiares da senhora falecida para saber um pouco mais sobre ela. Perguntou sobre gostos, hábitos, se era conhecida por algum apelido carinhoso... E, por fim, se havia alguma canção específica com que gostariam de homenageá-la.
– Olha, minha avó gostava muito do Despacito...
Foi assim que, pela primeira vez (e até aqui, única), ele improvisou um reggaeton ao violino em um velório.
– Talvez tenha sido o pedido mais inesperado que já recebi, ainda mais para uma senhora de mais de 70 anos. Mas não é incomum que me peçam músicas alegres. Já toquei até o Baile das Poderosas, da Anitta. Aquela do Zeca Pagodinho, Deixa a Vida me Levar, toco seguido. O sentido é sempre o mesmo: suavizar e humanizar um momento difícil.
Há oito anos Reinaldo leva a vida profissionalizando a última homenagem. Mais do que tocar violino, apresenta um pequeno discurso personalizado ao falecido, com uma trilha sonora cuidadosamente escolhida. Teve a ideia depois de participar da cerimônia de uma família amiga em uma manhã de domingo. Era para ser um favor, mas agradou tanto que não deixaram que saísse de lá sem cachê. Ele, que trabalhava, à época, em eventos realizados majoritariamente em finais de semana, como casamentos e formaturas, enxergou nos tão inevitáveis funerais as cerimônias perfeitas para um fluxo de caixa constante em qualquer dia da semana. Hoje, presta serviço à funerária Angelus e a outras eventualmente.
Ter vislumbrado essa oportunidade de mercado, no entanto, não faz com que o trabalho seja exercido com menos sensibilidade. Muito pelo contrário. Do alto dos 1m85cm, Reinaldo tem um semblante tranquilo e uma fala pausada que parecem, por si só, transmitir solidariedade ao interlocutor. Ao longo do tempo, foi também aprendendo a mesclar textos clássicos de autores como Santo Agostinho ou Mario Quintana, metáforas da vida e dados pessoais dos homenageados.
– No velório que você assistiu (nesta quinta, em Porto Alegre), acho que eu fiz o Trem da Vida, não fiz? É um texto de que gosto muito.
Reinaldo então emposta a voz e narra "uma linda viagem no trem da vida". Fala do início da viagem em uma cidade natal, de subidas e descidas, de desvios de rotas, de subidas íngremes e demoradas (parte dedicada a idosos que passaram muito tempo hospitalizados), mas também de longas retas ensolaradas. Fisga o coração dos familiares no momento em que cita os melhores momentos da viagem, em que os passageiros embarcam e ele personaliza a história com episódios reais.
– E podem ter certeza que vocês aqui foram os passageiros mais ilustres...
A viagem termina com o maquinista deixando o trem para trás na estação correspondente à idade do falecido, mas fazendo um traslado para "a estação central". Já aos passageiros, toca tomar conta da bagagem, sempre lembrando que as mais importantes não pesam, pois são as memórias que eles levam no coração. A metáfora pode variar. O trem pode ser um rio da nascente à chegada ao oceano, por exemplo. Mas o resultado é quase sempre os mesmos: lágrimas emocionadas aos primeiros acordes do violino. Já o repertório tem lá seus hits, como os hinos de Grêmio e Inter, e o maior deles:
– Observa como é forte a letra de Como é Grande o Meu Amor por Você: "Eu tenho tanto pra lhe falar, mas com palavras, não sei dizer." Isso acontece muito. As pessoas têm muita coisa para falar, gostariam de falar a uma pessoa querida, mas não falam, não conseguiram e agora ela faleceu. Então é uma homenagem que fica no éter, no ar. A gente não sabe para onde vai essa homenagem, mas prestar ela faz bem à família.
Ao realizar mais de 80 cerimônias fúnebres por mês, é inevitável que Reinaldo se pegue pensando no que gostaria de ouvir na sua. Desde que esse trem saiu de viagem em Novo Hamburgo em 1974, houve uma guinada brusca dezessete anos depois, ao desviar da faculdade de Direito rumo a Minas Gerais, onde ele comandou uma orquestra beneficente em Sete Lagoas. De volta ao sul, sofreu quando um casal de passageiros não embarcou, em razão de uma gravidez não concluída. Anos depois, uma menina embarcaria. Passou por centenas de estações tristes, mas comoventes e recompensadoras, como a noite que passou ensaiando o hino da Chapecoense para três funerais.
E para o momento do seu traslado final, há trilha definida?
– Gostaria que tocasse Canon, de (Johann) Pachelbel. Para mim, a forma como essa música começa tranquila, evolui, atinge um ápice e depois se encaminha tranquila para o final é a metáfora perfeita da vida em forma de música. No discurso, não precisa falar muito. Só queria que alguém lembrasse a quantidade de gente que eu confortei.