Em uma casa de veraneio sem energia elétrica, perto da praia de Ipanema, na zona sul de Porto Alegre, os irmãos gêmeos Ely e Ramão Levitan iniciaram o minimundo particular. Sócios de uma fábrica de alumínio, a dupla transformou o metal em objetos e o pátio da residência em uma das atrações mais visitadas da região.
— Isso aqui era tomado de gente. Nos finais de semana, chegava a 700 pessoas por dia. Apesar de particular, a gente recebia (o público) e todo mundo olhava encantado — relembra o filho de Ramão, o escritor, músico e arquiteto Cláudio Levitan, 68 anos.
Os primeiros objetos de alumínios foram forjados em 1947, distribuídos no entorno do lago onde os peixes retirados do Guaíba nadavam. Na época, não havia refrigerador para armazenar o pescado.
No jardim da casa, castelos medievais relembram as invasões Vikings do século oito, ao lado de pontes e muralhas inspiradas nas milenares construções chinesas. Mesquitas e cogumelos gigantes servem de abrigo para personagens como a Branca de Neve e os Sete Anões. Réplicas de cidades do Velho Oeste, moinhos, carrosséis e um mini-hangar complementam a diversidade do acervo — estimado em mil brinquedos pelo herdeiro do imóvel da Rua Pasteur, número 138.
Dentre as histórias contadas no ponto mais colorido do bairro, Levitan relembra de quando foram consultados pelos empresários que construíram o Mini Mundo de Gramado:
— Eles vieram para ver o que tínhamos. Claro que eles são profissionais, tem uma escala perfeita. Mas dá orgulho saber que fomos inspiração.
Nico Nicolaiewsky — morto em fevereiro de 2014 — frequentava os jardins, onde, ao lado dos Levitan, compôs canções para o espetáculo Tangos e Tragédias, segundo o arquiteto.
Revitalização
A beleza ainda conservada em algumas construções contrasta com a falta de cuidado, deterioração admitida pelo filho do idealizador. A ação do tempo se soma ao alto custo para desmontar e repintar as peças, o que, sem apoio, inviabiliza a recuperação de toda a coleção.
— Tem que desmontar, pintar e ajeitar tudo. Um por um. Fizemos em algumas dezenas, mas ainda tem muito pra revitalizar — explica.
Com a morte de Ely, em 2004, o espaço entrou em desuso. Quem buscava o local para visitação tinha apenas a vista da calçada, entre as grades que isolam o terreno de mil metros quadrados. Corroída pelo cupim, a histórica casa foi desmanchada, com um par de janelas mantido sob o telhado branco e marrom, projeto do arquiteto Luciano Silva, que cresceu com as histórias do parque e hoje vive no endereço.
— Esse jardim chegou a estar em ruínas, hoje dá orgulho de ver. E vai ficar ainda melhor —celebra, ao citar a reforma iniciada por Cláudio na última década.
No lugar da antiga residência, o músico ergueu um pavilhão, onde guarda parte dos brinquedos. O espaço conta com um mezanino e objetos de teatro, que integram o projeto que pretende transformar a casa encantada em um centro cultural.
— Quero receber escolas, contar histórias, fazer oficinas de teatro. E manter no jardim um pouco da beleza que meu pai e meu tio construíram — explica Levitan.
A capacidade do salão é para cerca de 50 pessoas e foi pensado com foco nas turmas escolares, público potencial do artista, que também trabalha com literatura infantil.
Logo após a história da Casa Encantada ser contada na Rádio Gaúcha, o primeiro visitante estacionou ao lado do portão. O vendedor André Costa, 47 anos, parabenizou o trabalho do artista e prometeu voltar.
— Assim que estiver aberto virei com meus dois filhos. Lindo esse lugar — elogiou, na manhã desta quarta-feira (20).
A meta é iniciar as atividades no aniversário de Porto Alegre, em 26 de março. A revitalização completa da coleção “levará anos ainda”, admite o artista, que suspira a todo momento, enquanto apresenta as esculturas que viraram o sonho de sua vida.
— Faz parte da história de Porto Alegre. Faz parte da vida de muita gente, por isso vou seguir no meu sonho — finaliza.
Os contatos com Cláudio Levitan podem ser feitos através do e-mail claudiolevitan@gmail.com