Impossível não reparar. Na Rua General Lima e Silva dobrando a esquina em direção à Avenida Venâncio Aires, na Cidade Baixa, todos os inícios de noite das terças-feiras se forma uma fila que, nos dias mais movimentados, alcança cerca de 200 metros. Há, inclusive, quem pare e pergunte do que se trata. Na semana anterior, um carro parou, o vidro se abriu e o curioso da vez questionou:
— Ei, para que essa fila?
— Seguro-desemprego!
O restante da fila deu risada, e o motorista continuou sem saber. Quem conta a história é Ana (em respeito à privacidade dos entrevistados, não usaremos sobrenomes nessa reportagem), uma senhora sorridente de cabelos curtinhos debaixo da touca, que acompanha o filho há cerca de três anos na empreitada semanal.
— Antes, eu ia para a igreja. Mas hoje em dia não se encontra uma igreja em que a gente possa entrar nesse horário só para refletir um pouco. Comecei a vir aqui — justifica.
O motivo da fila, que aumenta cada vez que o repórter olha para o lado, não é um grande enigma. Seu destino é o templo de umbanda União da Luz, e a razão para tamanha procura é que, às terças, são realizados passes no local. Mas, ao conversar com as pessoas, algumas curiosidades se revelam. Uma delas é que grande parte das pessoas chegou até ali pela primeira vez exatamente da mesma forma que o repórter: por curiosidade, um belo dia acaba entrando na fila para ver o que acontece.
É o caso de Flávia, que passava por ali de bicicleta no caminho de volta da faculdade. Recém formada em publicidade e, agora, trabalhando como atriz, ela é uma das que repete estar ali em busca de "paz" e "algum tipo de proteção".
— Tu já teve algum tipo de contato com religiões afro? — indaga.
Flávia é negra, e a fila, a mais diversa possível. Tem negros e brancos, de pré-adolescentes a idosos. Há pelo menos duas mulheres para cada homem. Se percebem casais, grupos de amigos falantes, pares de comadres com chimarrão e gente sozinha e pensativa. Alguns se conhecem da fila mesmo, de terças-feiras anteriores. Respondo a Flávia que não, não conheço praticamente nada sobre o assunto.
— É difícil explicar, tem que entrar e sentir mesmo para entender.
É em meio a esse diálogo que recebemos senhas 76 e 77 das 250 distribuídas por volta das 19h. Os primeiros da fila chegaram às 17h30min. Descubro estar em um dos dias mais concorridos. A cada terça-feira, quem dá o passe na cerimônia é uma das entidades da umbanda. A primeira do mês é Exu, entidade que, segundo me explicam, liga os humanos ao mundo dos orixás. É quem "abre os caminhos", o que significa bênçãos ligadas a desbravamentos como fertilidade e prosperidade.
Outro ponto curioso é que, entre os frequentadores do templo, há poucos ligados somente à umbanda. Conforme sigo puxando assunto na fila, descubro católicos, espíritas, budistas, gente que "pega o que mais faz sentido" de cada religião. A resposta mais frequente para o porquê de estarem ali é "pela energia boa" ou "porque me faz bem". Bem como? Peço um exemplo a uma mulher loira de meia-idade que veio sozinha, quase na esquina da rua:
Também há um alerta para não mexer no celular e deixá-lo no silencioso, "pois os espíritos começam a agir desde a entrada no templo"
— Eu comecei a vir aqui quando me separei e meu marido saiu de casa. Depois de um tempo, voltamos a morar juntos, mesmo separados. No começo, vim para ser ajudada. Hoje, sou eu quem ajudo ele a encontrar um caminho.
Às 19h30min, quando as portas do templo se abrem, tenho de retornar ao meu lugar, pois os passes são realizados em ordem, conforme os números. Adentramos em pequenos grupos. Mais perto da porta, circula papel e lápis. Serve — os colegas de fila explicam — para colocar nomes de quem necessita de benção. Além do meu, coloco o de um amigo cuja mãe passa por um tratamento médico.
Já dentro do templo, a primeira das três antessalas tem uma pequena quermesse de doces e salgados e alguns objetos religiosos. É o único lugar em que algo custa alguma coisa. O passe é gratuito, salvo um pequeno cofre para contribuições espontâneas. No mural, um aviso: "A Umbanda NÃO traz a pessoa amada em 7 dias. A Umbanda não é agência de emprego. A Umbanda não é balcão de reclamações."
Também há um alerta para não mexer no celular e deixá-lo no silencioso, "pois os espíritos começam a agir desde a entrada no templo". Na última das antessalas, recebo um jato de perfume na mão direita e, sem saber o que fazer, imito Flávia, que passa a mão perfumada na nuca de olhos fechados.
Quando chega a minha vez, entro em um cômodo iluminado de vermelho. Quem realiza os passes, incorporando "os guardiões", são meia-dúzia de mulheres e homens de preto. São as cores de Exu. Uma mulher de cabelos loiros longos e cacheados e um chapéu que cobre os olhos me abraça, murmura palavras afetuosas e diz que a minha sabedoria nem sempre aparece. "Tem sabedoria, mas precisa aparecer. Precisa aparecer."
Na palma da minha mão esquerda, ela deposita uma concha com as costas brancas e o interior negro. Pede para eu mentalizar algo para mandar embora. Não estava preparado para aquilo, mas me ocorre um mau-hábito que temo se tornar um vício. A parte mais estranha de toda a experiência é que, em segundos, a mão começa a formigar debaixo da concha. Enquanto isso, ela recolhe a folhinha com os nomes, embebeda em perfume e a risca forte os nomes com um giz. Depois de jogar a concha no chão, ela coloca um lenço em torno dos meus ombros. Me abraça de frente e de costas. Abraço de volta e, por fim, ela diz que posso seguir meu caminho. "Precisa aparecer!", insiste.
Do lado de fora do templo, são 20h15min e a fila está pela metade. Reencontro Ana, que aguarda o filho:
— Gostou, né? Tu vai voltar. Claro que vai.
Não sei se vou. Meus ombros até ali tensos estão relaxados. Talvez seja pelo fim da experiência inédita. Talvez seja a tal energia boa. Volto para casa sorrindo, pensando na explicação para o pescoço perfumado.