Uma característica curiosa de muitas ruas e avenidas em Porto Alegre quase custou uma oportunidade de trabalho ao gráfico Alexandre Guimarães, 42 anos.
Como o egresso de Livramento não conseguia localizar o endereço onde deveria realizar sua entrevista de emprego, chegou atrasado ao compromisso. O motivo da confusão do candidato se repete nos diferentes bairros da Capital: vias que mudam de nome no meio do caminho ou são interrompidas e ressurgem em outro lugar.
Guimarães precisava localizar um determinado número na Avenida Augusto Meyer para garantir a vaga. O problema é que a denominação se refere a um trecho inferior a 300 metros imprensado, na Terceira Perimetral, entre as muito maiores e mais famosas Carlos Gomes e Dom Pedro II.
— Pra mim, tudo aquilo ali era Carlos Gomes. Achei que essa Augusto Meyer fosse uma transversal. Fui e voltei procurando até descobrir que era um pedaço da própria avenida. Cheguei uns 15 minutos atrasado. Felizmente, acho que fui tão bem na entrevista que me contrataram — brinca o gráfico.
O eixo da Terceira Perimetral é um exemplo pródigo da multiplicidade de nomes para batizar vias que se estendem como um percurso uniforme — aparentemente, sem motivo para troca de identificação. Começa como Dom Pedro II e se converte em Augusto Meyer, Carlos Gomes, Tarso Dutra, Salvador França, Aparício Borges, Dawid Josef Kapel e Teresópolis, que mais adiante ainda dá lugar à Nonoai e, ufa, à Cavalhada.
— Muitos entregadores e clientes telefonam para buscar referências de onde fica a gráfica — conta Guimarães.
Em sentido oposto, há casos peculiares de vias que parecem chegar ao fim, mas reaparecem mais adiante com o mesmo nome. Um deles é o da Avenida Veiga, no bairro Aparício Borges: tudo indica que termina defronte a uma casa, mas na verdade ressurge atrás do terreno e segue adiante. Situação parecida com a da Rua São Manoel, dividida em duas pela Avenida Ipiranga.
Uma das situações mais inusitadas é a da policial civil aposentada Raquel Soares, 55 anos, e de seus poucos vizinhos: vivem em uma espécie de elo perdido da Avenida Guaíba. A tradicional via da Zona Sul tem um primeiro trecho que vai da Diário de Notícias até a Copacabana, para ressurgir quatro quilômetros adiante no bairro Ipanema e, de supetão, virar Avenida Orleaes no bairro Guarujá. O que poucos porto-alegrenses sabem é que existe ainda um terceiro trecho isolado da avenida mais de 500 metros adiante. Para chegar lá, é preciso seguir pela Orleaes, dobrar à direita na Augusto Duflot e, no final da rua, dobrar à direita de novo. Pronto: a Guaíba ressuscita mais uma vez.
— É tão confuso de acharem aqui que, há pouco tempo, pedimos uma pizza, e o entregador levou uma hora para chegar. Outra vez, pegamos o carro e fomos até a avenida porque o entregador não conseguia nos achar — ri Raquel.
Em algumas oportunidades, os moradores das 12 casas existentes ao longo da extensão final de 180 metros sem saída dão como referência a proximidade com o Residencial Di Primio Beck. O problema é que a apenas duas quadras dali fica outro residencial com nome quase igual: Dr. Ernesto Di Primio Beck.
— Em vez de facilitar, quem nos procura acaba indo para o outro lado da avenida. Tem de explicar bem direitinho — conta a policial, balançando a cabeça.
População usa pontos de referência como saída
Não há uma razão específica para as mudanças de nome e descontinuidades do mapa viário de Porto Alegre, mas uma mistura entre crescimento urbano sem planejamento, política e geografia. Às vezes, segundo a arquiteta e urbanista Izabele Colusso, coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo e da especialização em Cidades da Unisinos, é o próprio desenvolvimento que leva a essas confusões.
— A abertura de novos loteamentos ou novas vias pode fazer, em algum momento, que duas ruas que eram desconectadas e tinham nomes diferentes passem a se interligar mantendo as denominações originais — afirma Izabele.
Fatores políticos e geográficos também podem explicar a aparente falta de lógica na planta urbana. As mudanças de denominação por vezes atendem à vontade de legisladores de homenagear uma maior quantidade de figuras célebres. E a geografia da cidade, recortada pelo Guaíba e retorcida por morros, favorece interrupções de vias e mudanças de direção que complicam o batismo das rotas.
— Uma das formas da população entender a cidade onde vive é entender os percursos. Na teoria, o ideal é facilitar o que se chama de legibilidade urbana, mas sabemos que isso muitas vezes não ocorre — afirma Izabele.
Como é muito pouco provável uma padronização em massa da nomenclatura de ruas e avenidas (por questões práticas, históricas e políticas), uma das saídas mais comuns para pessoas que moram ou trabalham em vias com dificuldade de localização é utilizar pontos de referência. Essa é a solução encontrada pelo chaveiro Lucas Sampaio Urbano Orlandi, 24 anos, para facilitar a vida de sua clientela.
O rapaz trabalha em uma banca de chaves localizada onde a Avenida Erico Verissimo passa a se chamar Gastão Mazeron, e — para piorar — no ponto em que os bairros Menino Deus, Azenha e Medianeira se encontram.
— Para simplificar, nós costumamos dar como endereço a Rótula do Papa — conta Orlandi.