Contornado por prédios suntuosos, antes com fila de espera para aluguel comercial, o trecho norte da Terceira Perimetral já foi foi chamado de "a Avenida Paulista de Porto Alegre". A área, porém, hoje apresenta um cenário distinto dos tempos áureos. Nos quatro quilômetros entre a Avenida Carlos Gomes e a Rua Dom Pedro II, as placas de "alugue" chamam atenção: são 40 espaços vazios, disponíveis para locação. Em sua maioria, casas comerciais ou lojas térreas de edifícios. Alguns estão há mais de três anos à espera de um locatário.
— Antigamente, tinha fila, não se conseguia uma sala para alugar na Carlos Gomes. Tínhamos lotérica e banco aqui perto. Fechou tudo — afirma Márcio Debenetti, dono do restaurante Delícia e Arte, no bairro Auxiliadora, que sente a redução de clientes.
O empresário tinha 33 funcionários, quadro que se reduziu em um terço nos últimos três anos. Um dos bufês do prédio de dois andares que ocupa foi fechado, mantendo apenas o do térreo.
— O público caiu 50% com a crise, porque muitas empresas fecharam, debandaram ou reduziram. Algumas, que tinham 200 trabalhadores, hoje têm 50. Aqui era igual a Andradas: um formigueiro — lembra.
Na mesma quadra, Michele Berggsvist tem dois cafés, que também servem almoços.
— Adequamos o valor das refeições em virtude da redução de clientes. O poder aquisitivo diminuiu muito na região. Há empresas que não têm mais aqueles diretores com grandes salários. O nível econômico mudou muito — afirma a proprietária do Allegro Caffé.
Ao listar os custos que mais impactam, os empresários são unânimes: aluguel e IPTU. Michele paga em torno de R$ 10 mil mensais, valor que triplica no caso de Debenetti, em um espaço de 800 metros quadrados.
— Os alugueis estão na mão de poucos proprietários. E eles não fazem questão de baixar, o que acaba afastando as empresas. Quem tinha uma filial ficou só na matriz — avalia o empreendedor.
A barraquinha que vende cachorro-quente próximo à Avenida Plínio Brasil Milano também sente os efeitos dos espaços desocupados.
— Estou há 16 anos nessa quadra. Cheguei a vender 180 lanches em um só dia. Hoje, não passa de 80 — lamenta o autônomo Vitor Martins.
A percepção dos comerciantes ganha força nos números de imóveis vagos nos bairros que são cruzados pela Terceira Perimetral. Nos últimos cinco anos, a oferta de salas comerciais vazias no Petrópolis aumentou 310% pelo levantamento do Secovi/RS, sindicato que representa as imobiliárias, passando de 92 em julho de 2014 para 378 no mesmo mês de 2019. Há 268% mais salas disponíveis no Mont'Serrat e 191% no Auxiliadora.
Presidente do Sindicato de Hospedagem e Alimentação de Porto Alegre e Região (Sindha), Henry Chmelnitsky salienta que os restaurantes não saíram da Terceira Perimetral, mas reconhece que houve queda nos negócios:
— Enfrentaram a crise e a obra da Cristóvão, mas sobreviveram.
O impacto da obra na Cristóvão Colombo
Na esquina com a Avenida Cristóvão Colombo, há oferta de locação para qualquer lado que se olhe. Junto à trincheira que cruza a Terceira Perimetral, avista-se um prédio degradado pelo tempo, um imóvel novo e vazio, além de um conjunto de casas comerciais com as obras adiantadas, previsto para ser finalizado em dois meses — mas ainda sem qualquer contrato selado.
— Era uma baita esquina, com movimento e muita loja. Com a internet, o varejo mudou, e há que se adaptar. As lojas que eram focadas em comércio tem agora tendência de oferecer serviço. É muito mais que vender produto — avalia o arquiteto Daniel Sartori, proprietário de um prédio de 300 metros quadrados, distribuídos em dois andares, em uma das três esquinas sem ocupação.
O terreno de Sartori foi comprado em 2011, mas devido às obras, o investidor só pôde erguer o edifício em 2016. Nunca foi alugado, mesmo reduzindo o valor pedido de R$ 15 mil para R$ 8 mil:
A obra atrapalhou muito, mas não é só isso. A realidade agora é outra. Estou aceitando 60% do valor inicial porque as coisas mudaram. Os proprietários precisam entender isso e adaptar os valores cobrados
DANIEL SARTORI
Investidor
— A obra atrapalhou muito, mas não é só isso. A realidade agora é outra. Estou aceitando 60% do valor inicial porque as coisas mudaram. Os proprietários precisam entender isso e adaptar os valores cobrados — afirma o investidor, que tem outros 10 empreendimentos para locação em Porto Alegre.
A demora para finalização das obras da trincheira da Avenida Cristóvão Colombo — onde ainda se aguarda a liberação da alça de acesso da Terceira Perimetral para a Zona Norte e conclusão de calçadas — é a principal causa para a esquina entrar em desuso, segundo Matheus Muniz, dono da imobiliária Sanvicente. A corretora vendeu o terreno para construção de um imóvel de dois andares, desocupado desde sua conclusão, há cinco anos.
— Ela (a investidora) acreditou que a obra não demoraria tanto. Apostou nisso, mas acabou sendo prejudicada pelo atraso — afirma.
Ele considera ainda que a saída de grandes empresas, antes instaladas na Terceira Perimetral, irá contribuir na mudança da faixa de preços cobrado nos alugueis a médio prazo.
— Os imóveis de grande porte eram ocupados por bancos, que pagavam valores astronômicos. As agências estão diminuindo, focando no home banking, e o inquilino que vai para as lojas físicas não tem condições de pagar um aluguel tão alto.
Os imóveis de grande porte eram ocupados por bancos, que pagavam valores astronômicos. As agências estão diminuindo, focando no home banking, e o inquilino que vai para as lojas físicas não tem condições de pagar um aluguel tão alto.
MATHEUS MUNIZ
Proprietário de imobiliária
Desde 1996 no mercado imobiliário, Éder Jaques Arenhart é mais otimista.
— Existe uma dança de cadeiras, que movimenta o mercado. É uma reinvenção. As casas hoje não são enjambradas, são melhores do que há 10 anos. E isso aumenta o aluguel. Mas ainda assim a Carlos Gomes tem muito valor — avalia o corretor, que trabalha na imobiliária DLegend, que oferta diversas unidades na perimetral.
Com o contrato assinado em agosto de 2012, e ordem de início das obras em 2013, a construção da trincheira da Cristóvão Colombo ficou parada de 2016 a 2018. O motivo foi a falta de recursos da prefeitura. Conforme o Executivo, "a empresa que estava fazendo a obra faliu e então a prefeitura precisou refazer todo o orçamento do saldo da obra para então licitar". Como a licitação deu deserta, "estão sendo revistos os orçamentos para relicitar".
Os sinais da desocupação
Ao lado da mureta da trincheira, uma construção de 289 metros quadrados de piso térreo e mezanino simboliza a degradação. Com anúncios de aluga/vende, o espaço era ocupado por uma farmácia, que rescindiu o contrato após ter os acessos bloqueados na passagem.
— Até hoje, a alça do nosso lado não está liberada, a rua está inacabada, sem calçada. O prédio foi invadido, depredado e até princípio de incêndio tem — explica Rossiane Bueno, que administra a locação do espaço.
O edifício Royal Center, na esquina das ruas Marques do Pombal e Dom Pedro II, está com o andar térreo desocupado há quatro anos, de acordo com o síndico, Paulo Henrique Hiller:
— É muito ruim para o prédio, porque no fim da tarde o movimento morre aqui. Se tiver um comércio, vai dar outra vida ao edifício — lamenta.
Segundo o administrador, os proprietários do andar comercial desembolsam em torno de R$ 60 mil por ano, somente para manter o condomínio em dia. Do total de 70 salas, metade está disponível.
Do lado oposto ao Royal Center, uma academia ainda sobrevive no térreo, sobre um andar vazio.
— Quase 50% do meu gasto mensal é somente de aluguel. É muito caro. Não deveria passar de 25%. Aqui em cima está há uns dois anos sem ninguém — informa Marcelo Kunzler, proprietário da Academia Activus, instalada na Rua Dom Pedro II há cinco anos.
A empresária Daniela Segalin, da pet shop Bicho Mania, foi para a Terceira Perimetral há 10 anos, na "época de ouro". Olha para a situação de hoje e vê um contraste:
— Antes a gente não conseguia imóvel pra locar aqui no Higienópolis. Chegamos até a procurar na Ipiranga. Agora pode escolher. Infelizmente isso aconteceu porque a região se degradou.