Com mais carros nas vias do que elas podem suportar, o arranca e para que marca o fluxo nas principais avenidas de Porto Alegre em horários de pico frequentemente impõe um teste de paciência para quem precisa circular por esses locais. Para amenizar o problema em alguns dos gargalos, a prefeitura pretende apostar na tecnologia: publicou no Diário Oficial um chamamento para que empresas apresentem soluções inteligentes para a sincronização das redes semafóricas da Capital. A ideia é conhecer propostas de sistemas capazes de se reprogramar em tempo real para atender às necessidades do trânsito e melhorar a circulação para todos.
— O semáforo por si só não resolve porque, por mais que a gente abra espaço (para a circulação), sempre vem mais veículos. A vantagem é fazer com que o período de congestionamento seja reduzido — diz Julia Freitas, coordenadora de indicadores e engenharia de tráfego da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC).
A mudança representa uma evolução de uma tecnologia já adotada na Capital. Atualmente, mais de 1,3 mil das quase 1,4 mil sinaleiras integram alguma rede com ciclos pré-programados conforme a movimentação das vias ao longo do dia. Determinados pela EPTC, esses tempos podem ser alterados de forma manual — o que ocorre apenas quando há problemas pontuais.
A empresa avalia que o atual sistema ajudou a racionalizar parte do tráfego, mas mostra-se insuficiente para dar conta da dinâmica de avenidas entrecortadas por diversas transversais e em cruzamentos com sinalização de três tempos ou mais. Como contam com veículos ingressando por diferentes pontos de acesso, esses locais costumam apresentar mais variações na movimentação que, imprevistas, resultam em pontos de lentidão e congestionamentos.
O modelo automatizado já é utilizado, mas apenas na Avenida Nilo Peçanha, entre as ruas Augusto Loureiro Lima e Desembargador Antônio Carlos Berta. Ao longo do trecho, câmeras de monitoramento instaladas perto das sinaleiras monitoram a movimentação. Baseado na distância entre os veículos, um software gera dados em tempo real, fazendo alterações sempre que necessário. A única coisa imutável é o tempo dos pedestres: embora o intervalo entre uma travessia e outra possa variar, o que foi estipulado para o sinal verde não se altera. O investimento, de R$ 300 mil, foi uma contrapartida da obra de ampliação do Shopping Iguatemi.
Utilizada no trecho há cerca de três anos, a tecnologia tem avaliação positiva. Segundo a EPTC, a sinalização inteligente reduziu a duração dos congestionamentos em 25%, em média — se antes o engarrafamento perdurava uma hora, hoje o período crítico dura 45 minutos. Em caso de queda do sistema, a programação pré-estabelecida é retomada.
O modelo de funcionamento do software australiano Scats, adotado no local, não é o único possível. Há os que operam, por exemplo, com sensores instalados sob o asfalto. Também existem diferenças entre os sistemas de monitoramento: enquanto o Scats observa a distância entre um carro e outro, outros fazem a contagem dos veículos em pontos determinados. Algumas empresas privilegiam o 3G em detrimento da fibra ótica usada na Nilo Peçanha.
O objetivo da prefeitura é justamente conhecer diferentes possibilidades e descobrir em que pontos poderiam contribuir para melhorias no trânsito de Porto Alegre. As empresas têm até 30 de agosto para oferecer suas propostas, que deverão ser testadas em eixos a serem determinados pela EPTC.
— Implantar em todos (os cruzamentos) não é meta nem seria necessário. O chamamento é para que a gente conheça outros sistemas, outras possibilidades, que a gente ouve falar, mas não viu em funcionamento. Também queremos abrir o leque para não depender de um só fornecedor — explica Julia.
O próximo ponto a contar com a semaforização inteligente deve ser a Terceira Perimetral. Há um projeto pronto para a implantação de um sistema semelhante ao utilizado na Nilo Peçanha no trecho entre as ruas Barão de Cotegipe e João Caetano. A mudança, orçada em R$ 1,5 milhão, pode ser feita em 2020 _ ainda não foi definido se a verba será de orçamento próprio ou virá de contrapartidas. O órgão pretende identificar até o fim do ano outras redes propícias a receberem a tecnologia.
Tecnologia tem de ser combinada com outras alternativas, dizem especialistas
Especialistas concordam que a automatização de semáforos é vantajosa para vias com grande variação de fluxo ao longo do dia. Para que apresentem um impacto significativo no sistema, no entanto, devem ser conjugadas com outras alternativas de mobilidade.
Na avaliação do professor da Faculdade de Arquitetura Mackenzie Valter Caldana, um ponto crucial para melhorar o trânsito é diminuir o número de viagens feitas por veículos particulares. E a solução vai além da priorização do transporte coletivo. Ele defende que aproximar as pessoas de seus postos de trabalho, eliminando a necessidade de longos deslocamentos diários, está entre os principais pontos a serem abordados nas grandes cidades.
— A sincronização é imprescindível, e sistemas inteligentes são uma necessidade. Mas é um paliativo. A tendência para o carro é só piorar, porque sempre que melhora um pouco uma via, rapidamente aumenta o número de automóveis e ela congestiona de novo — avalia.
Professor da Escola Politécnica da PUCRS, Rafael Roco de Araújo, acredita que a semaforização inteligente virá a contribuir para melhorar a fluidez "do sistema como um todo".
— O ônibus também irá se beneficiar muito com a tecnologia. Porto Alegre está em uma posição vantajosa para esse tipo de implantação, porque temos um trânsito que funciona relativamente bem. Em grandes estrangulamentos, os ganhos não são significativos — diz.
Mudança foi implantada em Florianópolis
O sistema de sincronização semafórica automatizado entrou no horizonte da prefeitura de Florianópolis em 2017. Uma licitação lançada em setembro previa melhorias nas sinaleiras nas vias do centro que eram alvo de reclamações de condutores e pedestres pela falta de sincronia das sinaleiras, cujos tempos eram ajustados manualmente pela Secretaria de Transportes e Mobilidade Urbana.
— O conjunto de semáforos da região central sempre teve reclamações. E o ajuste tinha de ser feito em campo, o que nos demandava funcionários. Queríamos uma análise em tempo real — conta o secretário Michel Mittmann.
Em 2018, teve início a implantação do sistema inteligente, que custou R$ 1,8 milhão e é controlado pela empresa Brascontrol. A tecnologia foi instalada em 28 controladores, em 17 cruzamentos do centro de Florianópolis, e passou por uma fase de testes até começar a funcionar plenamente, meses atrás. À semelhança do que ocorre em Porto Alegre na Nilo Peçanha, o monitoramento é feito por meio de câmeras que enviam informações para o sistema e permitem ajustes em tempo real dos tempos das sinaleiras — o envio de dados é feito por 3G.
Embora não tenha um balanço consolidado dos primeiros meses, a pasta avalia que as vias contempladas estão fluindo melhor. O sistema trouxe ainda benefícios colaterais. Segundo o titular dos Transportes, os dados fornecidos pelo software passaram a auxiliar no planejamento do trânsito na região, e já motivaram alterações na sinalização.
— Os números mostraram a necessidade de reposicionamento de semáforos para diminuir o acúmulo de automóveis em alguns pontos. Fizemos um projeto para executar, e vamos aproveitar para fazer uma passagem mais segura para o pedestre na Beira-Mar Norte — conta Mittmann.