Nos últimos cinco anos, acidentes de trânsito envolvendo vítimas entre zero e 17 anos, em Porto Alegre, têm chamado a atenção das autoridades. Apesar da redução do número geral, o volume de atropelamentos de crianças e adolescentes na Capital, principalmente em áreas mais afastadas do Centro e em vias com pouco movimento, ainda são um problema a ser enfrentado: representam quase 40% dos acidentes com pessoas desta faixa etária.
No mês do Maio Amarelo, movimento para a redução dos acidentes em todo o mundo, GaúchaZH solicitou à Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) um levantamento com foco nesse público para, a partir dos dados, aprofundar as discussões sobre as medidas necessárias para reduzir o alto índice de mortos e feridos no trânsito.
Os números obtidos revelam que, de 2014 a 2018, 1.875 crianças e adolescentes se envolveram em acidentes na Capital. Desses, 724 foram vítimas de atropelamento, o que representa 38,6%. Trinta vítimas acabaram morrendo, sendo 10 atingidas por veículos enquanto atravessavam alguma rua ou avenida da cidade.
Estatísticas sobre acidentes ajudam a construir planejamento
A engenheira da EPTC Diva Yara Leite lembra que os levantamentos estatísticos contribuem para construir um trabalho integrado com outras áreas da empresa. Com isso, é possível criar mecanismos para reduzir ainda mais o número de atropelamentos. Por exemplo, um local que apresenta alto registro de acidentes pode receber uma sinalização específica, fiscalização e trabalho de conscientização.
— É fundamental essa união. Só fiscalização, só engenharia e só educação não adiantam. É um trabalho em conjunto e, principalmente, com a sociedade — ressalta Diva.
Nire Lima é responsável pelo setor de estatística da EPTC. Segundo ela, o planejamento é um trabalho inicial de pesquisa. Só depois são adotadas medidas. Ela afirma que as ações têm se mostrado eficazes, devido à redução dos índices, mas admite que os atropelamentos ainda preocupam.
Para Neri, essas ocorrências, apesar de também terem reduzido, ainda deixam muitas vítimas em vias afastadas das áreas centrais, e até em trechos com pouco movimento ou que são de velocidade reduzida.
Educação para a Mobilidade é a ponta final no trabalho da EPTC
O coordenador de Educação para a Mobilidade da EPTC, Diego Marques, ressalta a importância da prevenção e cita como exemplo o Projeto Escola Amiga.
— Não é só a conscientização dos alunos e dos professores. Vai além. O objetivo é fazer com que o professor repasse a orientação depois de uma visita nossa e também, conforme o tema do Maio Amarelo deste ano, que os alunos repassem para os pais em casa — explica.
O projeto, segundo Marques, também tem como meta um trânsito mais seguro no entorno das escolas e o reforço da sinalização.
Quando fala sobre os atropelamentos, o coordenador ressalta que existe uma preocupação mundial. Segundo ele, o índice de sobrevivência de uma pessoa após ser atingida por um carro é de apenas 15%. Por isso, reforça, existe a necessidade de se controlar a velocidade nas vias, em especial em áreas escolares.
Redução de velocidade facilita para motorista e pedestre
O sociólogo e especialista em segurança viária Eduardo Biavati ressalta a necessidade de sinalização de zonas próximas a hospitais e escolas, onde a velocidade máxima não deveria ser maior do que 40 km/h. Com isso, o motorista teria tempo de ver uma criança ou adolescente atravessando uma rua, e o pedestre conseguiria perceber o automóvel mais facilmente.
Sobre os acidentes em periferias, Biavati afirma que “essas tragédias estão acontecendo, como já era de se esperar”, pois nesses locais "o poder público nunca chega".
— Lá tem radares instalados? Por lá a sinalização está correta? Por lá a calçada está bem feita? Tem calçada? Porque se não tem calçada, você vai ter todo mundo brincando na rua mesmo. E o risco aumenta — destaca Biavati.
A diretora institucional do Detran-RS, Diza Gonzaga, também entende que há necessidade de melhorar a sinalização de trânsito nesses locais.
— Nas periferias, é muito comum crianças de nove, dez anos levarem os irmãos menores para a escola. Essa é uma realidade que temos nas grandes cidades, principalmente, e que precisa ser tratada. Principalmente o entorno, o caminho seguro e a falta de opção para as crianças brincarem em segurança — pondera Diza.
O diretor-científico da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, Ricardo Hegele, também destaca que “as crianças, por ter corpo pequeno, têm dificuldade de serem visualizadas pelos motorista”.
— Ela acaba se colocando em risco porque tem dificuldade de calcular o tempo de atravessar a rua, a velocidade do veículo. Ela se expõe mais ao risco - ressalta Hegele.
Mariana foi atropelada quando chegava em casa
Há 10 anos, Mariana, 11, foi vítima da violência do trânsito. Apesar de não constar nesse levantamento dos últimos cinco anos, é um caso que marcou a fiscalização do trânsito na cidade. Desde então, foram criados mecanismos para reduzir atropelamentos de crianças e adolescentes na Capital.
Clóvis Gomes, de 53 anos, lembra como se fosse hoje o dia mais triste da vida. Em 19 de setembro de 2009, a pré-adolescente ligou para o pai perto do meio-dia para dizer que tinha perdido o transporte escolar e que iria de ônibus para casa.
Gomes autorizou, desde que ela ligasse quando chegasse em casa. A menina topou.
— Só que ela não me ligou de volta. Comecei a ficar preocupado, fui almoçar com os colegas de trabalho. Aí, às 12h45min me liga alguém para dizer: olha, a Mariana sofreu um acidente. Eu disse: como assim? Ela estava dentro do ônibus.
O pai destaca uma sequência de erros para que o acidente acontecesse. O ônibus não deixou a menina no lugar em que deveria, obrigando as pessoas que desembarcaram a atravessar a via. Uma motorista parou o veículo para que os pedestres passassem, mas outro, em alta velocidade em um trecho de no máximo 50 km/h, ignorou o fato. O veículo atingiu Mariana, que morreu dias depois no hospital.
Somente depois do acidente foi melhorada a sinalização e instalado um quebra-molas na Rua Raphael Zippin, no bairro Sarandi, zona norte de Porto Alegre.
A EPTC adotou como prioridade a sinalização em todos os trechos escolares, além das campanhas.
— O trânsito é as nossas atitudes. Eu e minha esposa acabamos encontrando o Vida Urgente, que nos deu um alento e um certo norte para podermos correr atrás disso e tentar mudar a consciência das pessoas para que não ocorra mais. O trânsito é todos nós - ressalta Gomes.
O que é o Maio Amarelo
O Maio Amarelo, que desde 2011 tem sido uma ferramenta da Organização das Nações Unidas (ONU) para reduzir o número de vítimas no trânsito, tem como meta poupar 5 milhões de vidas até 2020. A cor, no trânsito, simboliza atenção, bem como sinalização e advertência.
Vídeo institucional sobre o movimento neste ano mostra crianças fazendo pedidos para que os pais tenham cuidado ao volante, ressaltando a vida. E é isso o que a EPTC tem como meta para este ano envolvendo jovens, tanto é que campanhas têm sido realizadas em escolas da Capital desde o início do mês.