A ampliação na base do governo Nelson Marchezan na Câmara Municipal já surte efeito no discurso dos parlamentares e pode viabilizar a aprovação de um dos projetos mais polêmicos do Executivo nas próximas semanas. Ouvidas pela reportagem, duas bancadas que, no ano passado, não votaram a favor da proposta que retira aumentos automáticos de servidores convocados para regimes especiais de trabalho e restringe gratificações sinalizaram apoio ao novo texto, protocolado em regime de urgência na quinta-feira (14).
Um dos integrantes mais recentes da base aliada, o MDB foi o que apresentou mudança mais drástica no posicionamento sobre a questão. No ano passado, apenas dois dos cinco vereadores do partido participaram da votação: André Carús e Mendes Ribeiro rejeitaram a proposta, enquanto a atual secretária de Desenvolvimento Social, Comandante Nádia, e Lourdes Sprenger não votaram, assim como Valter Nagelstein, presidente do Legislativo municipal na época. Agora, o partido diz que já fechou questão e vai apoiar integralmente a matéria.
– O prefeito reviu algumas coisas em relação ao regime de dedicação e, com essas mudanças, estamos de acordo – diz o líder da bancada do MDB, Idenir Cecchim, que estava em licença na época da votação passada para exercer o cargo de chefe de gabinete do então governador José Ivo Sartori (MDB).
O teor do projeto atual, primeiro teste da nova base aliada de Marchezan, pouco difere do que foi rejeitado por 22 votos a seis em 2018, após intensa resistência dos municipários. Há, porém, duas mudanças: o texto anterior determinava que a renovação da convocação para regime especial de trabalho deveria ser feita anualmente pelo Executivo, o que foi retirado do atual projeto.
O novo texto também mantém a gratificação a funcionários convocados para regimes especiais, aqueles que recebem a mais para cumprir mais horas de trabalho do que o previsto. Em 2018, governo queria que o benefício deixasse de fazer parte do salário-base dos servidores.
Aliado de Marchezan desde o começo da gestão, o PTB se ausentou do plenário em 2018, retirando o quórum da votação. Agora, diz que deve dar todos os quatro votos à aprovação do texto. Líder da bancada trabalhista e ex-presidente da Câmara, Cassio Trogildo, considera que o projeto está "mais maduro" para ser discutido e também vê ambiente propício para a aprovação, sem o acirramento da disputa eleitoral, como no ano passado.
– Fora do ambiente eleitoral, o assunto poderá se analisado com mais racionalidade – avalia o vereador.
Neste ano, o contingente de parlamentares que dão suporte ao governo saltou de 11 para 17. Depois, ainda recebeu o reforço do DEM, fechando em 20 o número de vereadores fiéis ao governo e superando o patamar de 19 votos – correspondente ao mínimo necessário para aprovar projetos de lei complementar.
Diante do clima favorável, o governo pretende acelerar a tramitação do projeto. A base pode convocar uma reunião conjunta de comissões – em que representantes de todas as comissões se reúnem para avaliar os projetos. Se isso ocorrer, a matéria pode ser apreciada pelo plenário dois dias depois, e a votação poderia ser feita ainda antes do feriado de Carnaval.
Para o líder do governo, Mauro Pinheiro (Rede), a matéria já é conhecida dos vereadores, motivo pelo qual não seria necessário debate mais amplo.
– Não tem por que ficar prolongando o debate. Quanto antes for votado, melhor, porque representa economia de R$ 16 milhões. E é um projeto que todo mundo já conhece. Tem vereadores que ainda estão tomando pé (das mudanças), mas a gente acredita que vai ter os votos – diz.
Oposição quer ampliar discussão
Mesmo com o cenário adverso, os vereadores de oposição e os membros do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) devem tentar protelar a apreciação e convencer os parlamentares a rejeitarem o projeto. O líder da oposição, Roberto Robaina (PSOL), diz que a bancada vai pedir um estudo sobre o projeto para avaliar as perdas dos servidores.
Ao mesmo tempo, os parlamentares contrários à medida buscarão evitar que ela seja apreciada pela reunião conjunta de comissões.
– Sabemos que o governo ampliou a base, mas acho que tem margem para conversar, vereador por vereador. Tem alguns da base que são servidores públicos, como a vereadora Lourdes Sprenger (MDB). Estamos apostando nisso – diz Robaina.
O diretor-geral do Simpa, Alberto Terres, reclama que a categoria não foi recebida por Marchezan para discutir o projeto, e promete trabalhar para evitar a aprovação.
– Estamos conversando com cada vereador, pedindo para que votem contra, porque votar contra os servidores é votar contra a cidade – protesta Terres.
O projeto
Entre as mudanças pleiteadas pelo governo municipal está a modificação dos avanços trienais de 5% sobre o salário-base recebidos a cada três anos pelos servidores, que seriam transformados em uma progressão de 3% a cada cinco anos.
Outra alteração proposta é a retirada do adicional de tempo de serviço – de 15% ao completar 15 anos de trabalho, e outro de 10% ao completar 25 anos - para os novos servidores. Os funcionários ativos receberiam a vantagem proporcionalmente, em relação aos anos já trabalhados. O texto assegura, no entanto, a manutenção das vantagens já recebidas pelos servidores, de acordo com o sistema anterior, até a publicação da lei.
Caso seja aprovado, o projeto também deve alterar a incorporação dos valores recebidos por quem ocupa Funções Gratificadas (FG). Incorporadas atualmente após dez anos no posto de confiança, as gratificações seriam obtidas de forma equivalente ao período em que a função for exercida, na proporção de 1/30 a cada ano trabalhado para servidoras mulheres, e 1/35 para homens.
Para incorporar integralmente a gratificação, as mulheres terão de permanecer 25 anos nos postos de confiança e, os homens, 30.
O texto prevê ainda o corte nos acréscimos que os funcionários municipais recebem quando são chamados a prestar regimes especiais de trabalho, como o Regime de Dedicação Exclusiva (RDE). Pela proposta, os servidores deixariam de receber remunerações adicionais de 15% e 25% ao completarem, respectivamente, 15 ou 25 anos nesses regimes.
A iniciativa anterior, derrotada na Câmara, determinava que a convocação para os regimes especiais deveria ser por um ano, com prorrogação a critério da administração municipal. O projeto rejeitado também previa que os vencimentos alusivos aos regimes especiais não fossem incorporados após dois anos. A proposta enviada nesta semana não mexe nesses dois quesitos.