Depoimentos obtidos pela Polícia Civil nas três fases da Operação Tormenta descortinaram o que seria o modus operandi da corrupção dentro do Departamento de Esgotos Pluviais, o extinto DEP. O inquérito que investiga irregularidades no antigo órgão de Porto Alegre, reveladas por Zero Hora em 2016, foi encaminhado à Justiça em dezembro — nove pessoas foram indiciadas, incluindo dois ex-diretores, três servidores, dois empresários e dois funcionários de empresa investigada.
O representante legal da empresa que venceu a licitação para fazer os serviços de hidrojateamento — apenas um dos tantos serviços sob suspeita no órgão municipal —, detalhou a exigência que a empresa recebeu para manter o negócio. E revelou que a fórmula, ou seja, a cobrança de propina por agentes públicos funcionava também com outras prestadoras de serviço.
O contrato de hidrojateamento previa o fornecimento de quatro caminhões. Cada um trabalharia para uma seção zonal do DEP: Norte, Sul, Leste e Centro. Mas, segundo Carlos Alberto Guimarães, o acerto foi de que dois caminhões ficariam parados. O valor referente a cada um, ou seja, desembolsado pelo município por supostos trabalhos feitos, seria dividido entre diretores do DEP e empresários: "Ficou bem claro, da boca do Sr Mellos, que trabalhariam dois caminhões e dois caminhões não trabalhariam. O dinheiro de um desses caminhões ficaria com o DEP, com o Sr Mellos, a tal propina que era levada lá mensalmente. E do outro caminhão ficaria para a JB. 25% do valor total do serviço seria entregue em mãos para eles (DEP) e a outra parte para a JB. Foram bem claros que teria que ser assim, que era assim que trabalhavam, que já trabalhavam com outras empresas assim também. Então quer dizer, se tu não paga propina, teus caminhões vão ficar parados e tu não vai faturar o contrato. Essa era a norma dentro do DEP".
Confira trechos de depoimentos que constam do inquérito
Engenheiro Paulo Guilherme Silva Barcellos da Silva, fiscal de contratos no DEP:
"O DEP não tinha uma fiscalização efetiva no serviço. A empresa ficava livre pra botar a medição, aquilo que ela achava que poderia ser um valor estipulado que pudesse até beneficiar de alguma forma a arrecadação por parte da direção-geral".
"Havia com certeza um superfaturamento na medição. Eu não participava da negociação com empresário. Quem fazia isso era o Francisco Mellos. Ele combinava com empresário: tanto tu vai botar a mais, e tanto vai ficar pra mim, aí eu vou dar um cala boca aqui pros meus funcionários, para eles ficarem quietos, a título de colaboração, e o Paulo (fiscal do contrato que atestava a execução dos serviços declarados) assina".
Empresário Gilvani Dall Oglio, gerente da BR Ambiental:
"Os valores eram sacados no Banrisul da Cristóvão. Que totalizava em torno de R$ 20 mil aproximadamente por mês o valor repassado a Chico Mellos. Que o local de pagamento era na Quintino com Marquês de Pombal. Que Chico Mellos vinha com uma caminhonete Ford Edge".
"Que eles mesmos do DEP criavam as planilhas. Que estas planilhas lhe eram entregues diretamente pelo Chico, sempre todas prontas. Que questionou a Chico por que as ruas que constavam nas planilhas não batiam com as ruas efetivamente prestadas (em que o serviço era feito). Chico alegou que estas ruas atendiam uma gestão de qualidade (endereços inventados para contemplar a meta de trabalho por regiões), que não era possível atender mais uma zona do que outra".
Motorista da Ambiental BR:
"Não havia planilha de controle dos serviços prestados ao DEP. Bem no início do seu contrato se recorda de uma tentativa de controle em uma folha branca cujos endereços eram preenchidos à mão dos locais em que prestava serviços. Que esses serviços eram medidos de modo empírico, no olho".
Antônio Marcos Pereira Martins, funcionário da BR Ambiental à época:
"Eu sei que tinham mais pessoas envolvidas, mas quem recebeu mesmo, que eu vi pegar na mão o pacote com o valor, foi o Francisco Mellos, na sala dele".
Renê José Machado de Souza, engenheiro que assumiu a direção do DEP depois das irregularidades virem a público:
"Que identificaram extensões hidrojateadas incompatíveis com a rede existente do DEP e volumes de resíduos removidos incompatíveis com os volumes possíveis de acordo com a extensão e diâmetro de rede, isto é, um objeto impossível de ser executado levando em consideração os diâmetros e as extensões da rede. Em outras palavras, a documentação apresentada não corresponde à rede de drenagem existente na cidade, tratando-se de peça de ficção".
Trecho da conclusão do inquérito:
"Demonstrada a existência de um esquema criminoso, organizado e arquitetado com o intuito claro de obter vantagens ilícitas a partir dos serviços de hidrojateamento e sucção prestados nas quatro zonais do DEP. Comporiam células importantes desta organização criminosa a própria direção do órgão público e seus servidores (justamente aqueles que deveriam ser os garantes da idoneidade das contratações), além de empresários com eles mancomunados".