A mudança começa pelo vocabulário. Cada vez que um interlocutor classifica uma escola como "conveniada" com a prefeitura de Porto Alegre, o titular da Secretaria Municipal de Educação (Smed), Adriano Naves de Britto, cordialmente corrige:
— Conveniada, não. Escola da Rede Municipal Comunitária.
O esforço não é mero preciosismo. É uma das múltiplas formas com que a prefeitura tenta dar às instituições anteriormente conveniadas com a prefeitura status de escolas municipais de fato, como hoje são as 43 Escolas Municipais de Educação Infantil (Emeis) e as 49 Escolas Municipais de Ensino Fundamental, que a prefeitura passou a chamar oficialmente de "escolas público-estatais".
O modelo das comunitárias, aplicado quase na sua totalidade na Educação Infantil, ganhou fôlego no governo Nelson Marchezan a partir do Marco Regulatório da Educação, decreto que regulamentou a aplicação no município da lei federal 13.019/2014, que disciplina parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil "em regime de mútua cooperação". A partir dele, a prefeitura chamou à mesa de negociação as 227 entidades com que a prefeitura tinha algum convênio, ou seja, pelo qual ela repassava um valor por aluno na Educação Infantil. Cerca de 75% das vagas de Educação Infantil do município funcionam nesse modelo: são 21 mil vagas "compradas" das antigas conveniadas e cerca de 6 mil nas Emeis.
Ao anunciar aumento no valor das bolsas de 30% para 2018 e mais 15% em 2019, a Smed estabeleceu exigências e firmou novos contratos com 218 delas, majoritariamente de dois anos. As que demandavam adaptações mais profundas (15), estabeleceram contratos de um ano e firmaram também termos de ajustamento de conduta (TACs). O secretário declara ter "um carinho" pelo modelo das comunitárias.
— O principal ponto positivo é o estímulo à pluralidade. É uma forma de dar às escolas independência de aplicar suas próprias concepções pedagógicas, desde que apresente bons resultados. O ponto negativo é que muitas dessas entidades têm nas suas origens a assistência social, não a educação. Por isso, para torná-las de fato escolas de Educação Infantil, nossa principal exigência foi a contratação de professores — declara Naves de Britto.
Há outro ponto positivo importante, ao menos para a prefeitura. Ao limitar sua participação nas escolas em um valor investido por vagas e cobrar adequações e resultados, a prefeitura se desonera de uma série de obrigações administrativas que vão de negociações com servidores públicos até a resolução de problemas de estrutura das escolas. No modelo público-estatal, do encanamento do banheiro ao professor de matemática, as obrigações são da prefeitura.
— O modelo das comunitárias deveria ser um facilitador em localidades distantes em que algum tipo de entidade já atua. Mas o receio é que a aposta na ampliação desse modelo provoque um "desinvestimento" nas escolas públicas tradicionais. Em qualquer país em que a educação deu certo, a escola, especialmente para essa faixa etária, é 100% pública _ opina o vereador Prof. Alex Fraga (PSOL).
Autonomia para resolver problemas de zeladoria
Contra o argumento do "desinvestimento", a Smed rebate que, desde agosto passado, aumentou em média 135% o repasse por aluno às escolas público-estatais. A intenção, de acordo com o secretário, é aproximar os dois modelos também pela outra via, dando mais recurso e independência para cada escola do município resolver seus próprios problemas. Para o mesmo fim, a Smed desativará o setor de manutenção da pasta.
— O que acontecia antes: o repasse era mínimo e, quando o banheiro entupia, o diretor ligava para o setor de manutenção da Smed, que é pequeno, desaparelhado e ineficiente, para dizer o mínimo. Além da via-crúcis por recurso, era uma espécie de clientelismo junto ao secretário. Nossa ideia é que a secretaria repasse recursos ao conselho de cada escola e não precise se envolver em questões de zeladoria — afirma Naves de Britto.
No caso de reformas maiores nos prédios das escolas, o secretário declara que a prefeitura está negociando um financiamento junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Além de aumentar os repasses de R$ 114 milhões em 2018 para R$ 140 milhões para 2019, a prefeitura passará, ao final do próximo ano, a oferecer contratos de cinco anos. Em contrapartida, ajusta as 218 escolas ao calendário do município e ao sistema unificado de distribuição de vagas. Sinal de que o modelo terá fôlego além dos limites da atual administração.