A exposição do piquete Aporreados do 38 no Acampamento Farroupilha de Porto Alegre gerou polêmica ao reproduzir uma senzala, onde a primeira coisa vista pelo público eram equipamentos de tortura e manequins negros amarrados a troncos com correntes. Nas redes sociais, artistas e ativistas criticaram a forma como o assunto foi abordado e também o que consideram uma narrativa de superioridade dos brancos. "O tempo passa, o tempo voa e a brancaiada segue sedenta de representações em que negros aparecem atados ao tronco sofrendo os horrores da escravidão", escreveu o poeta e músico Ronald Augusto em sua página no Facebook.
À frente da organização do Acampamento Farroupilha, o Movimento Tradicionalista Gaúcho afirmou por nota que "discorda veementemente da abordagem", pediu desculpas ao povo negro pelo "infeliz episódio" e informou que determinou o fechamento da instalação. A prefeitura de Porto Alegre também afirmou que "repudia qualquer ato que faça exaltação ao período da escravidão no Brasil".
Quando a reportagem chegou ao piquete, localizado em frente ao parque de diversões montado no Harmonia, a exposição já estava fechada. Mesmo assim, o professor de história Francisco Vitória, 57 anos, negro, aguardava do lado de fora do portão a possibilidade de entrar no espaço. Ele ficou sabendo da polêmica quando chegou ao acampamento para visitar um amigo, e percorreu as ruas do parque até localizar o piquete. Para Francisco, não se pode deixar de falar sobre escravidão — mas ele pondera que quando a senzala é exaltada dessa forma, coloca o negro em situação de inferioridade.
— Na história do Rio Grande do Sul, na formação cultural e econômica, o negro tem um papel importante. Mas lugar de negro vai ser sempre a senzala? Não é no galpão bonito que tem aqui do lado? — questionou.
Todos os anos, o Aporreados do 38 constrói um cenário inspirado em passagens da história do Rio Grande do Sul para o Acampamento Farroupilha. O coordenador do espaço, Cleonilton Almeida, acredita que o que motivou a polêmica foi a adição dos manequins, o que ocorreu só na última sexta-feira (14). Ele ressalta que o tema da exposição é a participação dos Lanceiros Negros na Revolução Farroupilha, e que nunca imaginou que a mostra cultural poderia gerar polêmica ou ofender alguém.
— O Cerro de Porongos seria difícil de reproduzir aqui. O que nós resolvemos fazer? Replicar uma senzala — afirma o coordenador, referindo-se inicialmente ao massacre dos lanceiros negros que lutaram junto aos farrapos. — A gente fez um projeto sobre os lanceiros negros, e quisemos retratar de onde saíram.
Almeida diz que pretende tirar os manequins e também fazer banners que expliquem o projeto antes de poder reabrir a exposição, para informar a parcela do público que entra no piquete e não faz a visita guiada, com duração aproximada de 20 minutos.
Elisete Moretto, coordenadora municipal de Igualdade Racial, chegou ao Acampamento durante a entrevista com Almeida e participou da conversa. Ela perguntou se foi consultado algum ativista negro no planejamento exposição — o que não aconteceu. Elisete, então, convidou o coordenador da exposição a participar de um almoço com o Conselho Municipal dos Direitos do Povo Negro nesta terça-feira (18) no Acampamento, para que os integrantes contribuam na elaboração de uma narrativa mais positiva.
— Acho que o que faltou foi construir junto — diz ela.
Quando a entrada de GaúchaZH no piquete foi autorizada, pela porta dos fundos, o professor Francisco Vitória acompanhou a reportagem, e teve a oportunidade de compartilhar com o coordenador da exposição seu medo de que crianças negras vissem a exposição. Recebeu dele a promessa de que ninguém mais verá manequins negros em simulação de tortura, e parecia mais aliviado ao final da conversa.
— Não vamos trabalhar com absolutos, senão, a guerra não termina nunca — concluiu o professor.