Antropólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB), José Jorge de Carvalho é autor do texto As Tecnologias de Segurança e a Expansão Metonímica da Violência, no qual avalia que a instalação de equipamentos como muros e cercas reproduz a violência em vez de amenizá-la. Confira trechos da entrevista concedida por telefone:
Qual o impacto do cercamento nas cidades?
Uma diminuição no horizonte existencial. Você mesmo elimina a sua liberdade. O efeito é pedagogicamente negativo para cada um. Em cidades como Brasília, Porto Alegre, você está andando na rua, a rua está calma, mas na verdade aquela calmaria não te convence porque o medo é despertado pela própria tecnologia da segurança.
O senhor diz que as próprias cercas e grades produzem o medo?
Produzem medo em quem está do lado de dentro e do lado de fora. Não é fugir da nossa realidade, que é difícil, mas a gente tem de ter um outro modelo. Um exemplo é o documentário do Michael Moore, sobre a violência nos EUA (Tiros em Columbine), quando ele vai ao Canadá. É um lugar onde a violência é menor, e onde há menos armas e menos cercas. Então não é necessariamente mais seguro viver num lugar mais cercado. É uma ilusão.
Mas vivemos em um país violento. Quem não colocar uma grade pode virar alvo preferencial. Não é razoável?
Na verdade, parte desses equipamentos é ilegal, nem mesmo está de acordo com as regras de muitos municípios. Em Brasília, no Cruzeiro Velho, cercaram pilotis de prédios, áreas que são consideradas públicas. A questão é que esse caminho não tem futuro porque ele não resolve o problema. Se resolvesse... mas não resolve.
Mas não dificulta que uma pessoa seja vítima de violência?
Não é que essa pessoa seja vítima, ela é algoz. Ela está sendo violenta ela mesma. Em Porto Alegre há ruas com guaritas, não é? O município não deveria permitir isso. O problema da violência tem de ser resolvido pelo lado de quem está praticando a violência, não sacrificando a cidadania. Depois não reclame se o país deixar de ser um país de direitos. O espaço público fica cada vez mais segregado, e até o racismo aumenta, porque cada vez que aparece uma pessoa negra andando em um bairro todo fechado, branco, já pensam que ela vai cometer uma violência.
Como seria possível, na prática, reverter o cenário atual?
Prefeitos e câmaras de vereadores teriam de ousar. O desarmamento é sempre unilateral. Não importa o que o outro vai fazer, eu vou me desarmar. Equipamentos como cercas que dão choque, que cortam, deveriam ser proibidos. Qual cidadão se acha de bem morando em uma casa sabendo que pode matar alguém com a cerca dele? Sem perceber, ele está entrando no circuito da violência. Nossas cidades são muito violentas, e esse caminho do cercamento não deu resultado contra a violência.