Cercas elétricas, concertinas, grades metálicas, muros e guaritas são elementos comuns em presídios, zonas de guerra e, cada vez mais, nas ruas de Porto Alegre.
O medo da violência vem redesenhando o espaço urbano da Capital a ponto de dar à cidade o aspecto de região conflagrada, criar áreas isoladas e despertar controvérsia. Há quem veja a fortificação urbana como uma necessidade frente à insegurança, e há quem defenda limitar os aparatos antiladrão para preservar padrões mínimos de estética, urbanismo e convivência. Nem mesmo monumentos ou prédios históricos, feitos para serem admirados sem obstáculos, escapam do cercamento em razão do risco de vandalismo.
A transformação de espaços públicos e privados em cidadelas guarnecidas por lâminas cortantes e barras de ferro ganhou impulso na década passada e, nos últimos anos, ganhou novas (e mais agressivas) formas de proteção. Um dos recursos empregados hoje — e que mais lembram o cenário de uma zona em conflito — é a chamada concertina, ou cerca tipo ouriço. Em meados dos anos 2000, era vista somente no Aeroporto Internacional Salgado Filho e no Porto Seco, na Zona Norte.
Hoje, segundo estimativa de um dos pioneiros na venda e na fabricação do material em Porto Alegre, em uma semana seriam instalados até 2 mil metros desse tipo de tira metálica com ganchos afiados na cidade. É pelo menos quatro vezes mais do que o estimado para uma década atrás.
— Quando começamos, havia uma resistência muito grande das pessoas em instalar (a concertina) pela questão estética. Mas as pessoas resolveram abrir mão disso para se sentir mais seguras. Nosso último castelo é a nossa casa — analisa o diretor da empresa Bloquer, Edilson Trindade, que fabrica e instala o produto.
Síndico de um prédio na Avenida Aureliano de Figueiredo Pinto, o comerciante Elvandir Severo dos Santos, 56 anos, decidiu implantar duas fileiras de metal cortante na sacada depois que um ladrão escalou uma árvore e invadiu o quarto de um casal de idosos pela janela da rua há cerca de cinco anos.
— Desde então, não tivemos mais invasão. É feio, mas funciona. Se alguém cair ali, se estraçalha todo. Quanto mais se mexe, mais crava na carne — diz Santos.
Do lado de dentro das cercas e dos muros, os moradores se sentem mais seguros. Mas, do lado de fora, o resultado pode ser o oposto.
— O grande paradoxo do cercamento é que quanto mais as pessoas e o comércio se afastam do espaço público, criando enclaves privados, mais se acentua o problema da violência. Ou seja, quanto mais nos protegemos, mais insegurança há — analisa o arquiteto e urbanista Marcelo Arioli Heck, diretor da seção gaúcha do Instituto de Arquitetos do Brasil e professor da Univates.
Esse paradoxo tem relação com o célebre princípio dos "olhos da rua" — conceito desenvolvido pela autora canadense Jane Jacobs (1916-2006) segundo o qual quanto mais pessoas observarem uma via pública, mesmo de dentro de suas casas, mais segura ela será.
Heck afirma ainda que a estética do medo deprecia o valor urbanístico dos monumentos e prédios históricos sitiados em Porto Alegre — casos, por exemplo, do Instituto de Educação Flores da Cunha, localizado na Redenção, e da Fonte Talavera, diante da prefeitura, protegida por grades desde que um manifestante danificou parte da estrutura em 2005.
— Nos casos de espaços e prédios públicos, os governos devem dar exemplo e permitir uma melhor relação com as pessoas. Muitas vezes, recebem grades não só em função da insegurança, mas especialmente para evitar o vandalismo. A questão que se coloca é: o que interfere mais em uma fachada histórica, uma pichação ou uma cerca? — questiona Heck.
Para psiquiatra, excesso de muros exerce "efeito depressivo"
Os artefatos destinados a desencorajar ladrões ou vândalos, como muros, grades e cercas, também exercem impacto sobre o cidadão comum de Porto Alegre. O psiquiatra, psicanalista e escritor Celso Gutfreind, autor do livro infantil Monstros e Ladrões — no qual aborda a violência urbana —, sustenta que a simples visão das barreiras metálicas e de concreto desempenha um papel depressivo sobre a população em geral.
Há múltiplos fatores associados a problemas como depressão ou melancolia, incluindo questões genéticas, orgânicas, afetivas e sociais. Mas, segundo Gutfreind, o ambiente é outro elemento que pode exercer influência sobre o estado de espírito de quem circula por uma cidade cada vez mais amuralhada.
— O ambiente em que vivemos é mais triste, mais opressivo, mais feio. Há um prejuízo claro na relação entre o indivíduo e o espaço público — diz o psiquiatra.
Gutfreind lembra, em oposição a esse cenário entristecedor, que crianças expostas desde cedo à beleza — seja artística ou urbanística — tendem a desenvolver-se melhor em termos emocionais:
— Mostrar a beleza do mundo desenvolve uma espécie de camada de proteção contra a desintegração afetiva ou a depressão. Por isso, a arte é tão importante para a saúde mental.
Tentativas de reduzir o número de muros e grades na cidade têm fracassado diante da insegurança urbana. O consultor e projetista de segurança patrimonial Luiz Antônio Allgayer conta que, recentemente, os arquitetos de um empreendimento imobiliário no bairro Menino Deus pretendiam erguer um condomínio sem cercas, com um bucólico jardim separando a calçada da porta principal.
— Fizemos uma análise dos riscos do entorno e apresentamos para os arquitetos. Acabaram optando pelo muro. Se deixar a porta como única barreira, é fácil entrar em qualquer prédio. Infelizmente, não temos como fazer ambientes abertos na situação urbana que vivemos hoje — afirma Allgayer.