Teve sotaque paulista o grito de vitória na 2ª Champions Ligay, o campeonato brasileiro gay de futebol realizado em Porto Alegre entre sábado (14) e domingo (15). O Bulls levou o troféu após uma partida disputada contra o Beescats, do Rio — o placar de 1 a 1 foi desempatado no shootout, algo semelhante à cobrança de pênaltis.
— Nosso time tem um ano e dois meses e participa da Champions Ligay pela primeira vez. Todo mundo sempre jogou. Há pouco tempo, nos juntamos e nos preparamos muito para estarmos aqui — diz Douglas Batista, 39 anos, atleta da equipe campeã, cujo goleiro viu a decisão em uma cadeira de rodas depois de romper dois tendões no primeiro dia.
Criada no ano passado, a competição levanta a bandeira da diversidade e da criação de ambientes de aceitação. Mas também é jogo pegado. Presidente da Federação de Soccer Society do Rio Grande do Sul, Vinícius Santos conta que a entidade teve um choque de cultura nas quadras da Soccer City, no bairro Navegantes, ao vivenciar duas faces do esporte caminharem juntas: a vontade de ganhar e o coleguismo. Acostumado a campeonatos nos quais a agressividade é corriqueira, Santos viu o fair play predominar no evento em que foi responsável pela arbitragem.
— Eles (jogadores) respeitam a decisão do árbitro e têm educação com o adversário. E tudo isso jogando bola. É futebol normal, eles levam a sério e são competitivos, mas não passam do limite da civilidade — ressalta.
Alessandra Mello, organizadora desta edição e técnica da equipe anfitriã, o Magia, também salienta a preparação dos atletas:
— Houve uma evolução técnica no futebol das equipes desde novembro (quando ocorreu a 1ª Champions Ligay, no Rio). São times preparados, e grande parte com treinadores.
Como nem tudo são flores, a realização do campeonato exigiu resistência. Desde a busca por parcerias, que cobriram três quartos dos R$ 80 mil de custos, até a vinda das equipes à Capital — são 12 times de seis Estados e do Distrito Federal. Para fazer tudo em um fim de semana, as partidas foram de 12 minutos.
— Tivemos muita dificuldade para estarmos aqui, alguns de nós estão desempregados. Fizemos rifa para comprar duas passagens e pagar uma hospedagem. Eu fiquei na casa do presidente do Magia, teve gente que vendeu o celular, mas é a realização de um sonho — conta Rafael Rosa, 23 anos, do Afronte (São Paulo).
Durante a entrega das medalhas, o Sereyos (Santa Catarina), fez uma pausa na comemoração do terceiro lugar e retomou uma das razões de o campeonato existir. Os atletas trocaram as camisetas azuis pelas pretas com letras brancas, que, lado a lado, formavam uma frase: "Pelo fim do armário".
Dois times de Porto Alegre na competição
Porto Alegre tinha dois times na disputa. O Magia, criado há 13 anos e mais antiga equipe da Ligay, fez as honras da casa na Soccer City. Foi eliminado nas quartas de final. O Pampacats, nascido em agosto de 2017, não passou da primeira fase. Mas a comemoração não deu lugar à decepção.
— Foi a primeira vez do Pampacats na Ligay, e ficamos muito felizes com toda a repercussão — diz o presidente Rogério Dervanoski, 29 anos.
Apesar da dificuldade para conseguir recursos e das "muitas portas na cara", como frisou Alessandra, a 2ª Champions Ligay foi chancelada pelo governo do Estado, pela prefeitura de Porto Alegre e pela Federação de Soccer Society do RS. O grupo de ativismo de Porto Alegre da Anistia Internacional teve participação institucional. Em novembro, o torneio deve estar em São Paulo com quatro candidatos a mais ao troféu, bandeiras de arco-íris e o clima de afeto e respeito.