A professora Claudia Souza Malta Costa, 18 anos, dá a largada para o sexto ano de aulas voluntárias de balé na periferia de Alvorada, na Região Metropolitana, com o maior número de meninas matriculadas desde quando começou a dedicar seus sábados a ensinar dança. Por intermédio dos giros e uma chance de ver o mundo de forma diferente. São 102 meninas até agora. O momento seria de comemoração e consolidação de um trabalho conhecido na cidade, não fosse a preocupação pela falta de local para abrigar os ensaios.
A profe Clau, como é carinhosamente chamada por suas alunas, começou a dar aulas no refeitório da Escola Estadual Maurício Sirotsky Sobrinho, no Bairro Maria Regina. O projeto tomou corpo, atraiu muitas meninas e o ginásio da escola foi cedido para a Clau usá-lo todos os sábados nos ensaios. Agora, o mesmo ginásio abriga materiais de obra usado para reforma na escola, o que impede o começo dos ensaios, marcado para o dia 24 de março. Sem espaço, Clau avalia a possibilidade de adiar o começo das aulas.
— Fomos pegos de surpresa. Nem penso em desistir, no máximo iremos adiar o começo das aulas em um mês.
— Se pudéssemos, daríamos as aulas aqui em casa, mas com o espaço que temos, se vierem todas elas, não vão conseguir nem se mexer — explica a mãe de Clau, Marlene Costa, 52 anos.
São 102 meninas matriculadas e ainda há um último sábado para matrículas e rematrículas. O projeto quando começou reunia meninas dos Bairros Maria Regina, onde Clau vive com a mãe e a irmã, e Salomé. Hoje já atraí meninas de todos os cantos da cidade.
Os ensaios ocorrem uma fez por semana, sempre sábados à tarde, e cada turma tem uma hora de aula. As alunas são divididas em turmas conforme a faixa etária: baby, dos 3 aos 5, infantil, dos 6 aos 9 e infanto juvenil, a partir dos 10. Para este ano, Clau tem o plano de aula pronto desde janeiro.
— Balé é um sonho para muitas meninas, mas o balé não é só colocar a roupa cor de rosa, envolve comprometimento, determinação, respeito e muita persistência da bailarina — ensina.
Clau evoluiu junto com o grupo ao longo dos anos. Tem mais paciência e confiança para lidar com as alunas e as mães, que exercem um papel cada vez mais importante na organização do grupo. Fazem o controle das notas escolares _ só participa da apresentação quem tem frequência escolar e boas notas _, levantamento dos figurinos, costura e organização do caixa.
— Aprendi que vale a pena lutar pelas coisas, persistir. Nada paga o sorriso de uma bailarina — avalia ela que cursa o terceiro semestre de administração e faz estágio na área.
Maior ajuda até agora veio da Suíça
Com sua trajetória de barreiras e conquistas acompanhada pelo Diário Gaúcho desde novembro de 2014, Clau já recebeu inúmeras promessas de ajuda de políticos da cidade. Porém, poucas, ou quase nenhuma, delas foi cumprida. Uma das últimas foi do próprio prefeito, José Arno Appolo do Amaral que propôs cedência de uma das salas do Centro da Juventude do Bairro Maria Regina, espaço que oferece atividades sociais a jovens entre 15 e 24 anos, que inclusive dispõe da barra de balé necessária para as aulas.
— Ao longo desse tempo, tivemos poucas promessa que pudéssemos confiar mesmo — admite.
Uma das ajudas mais significativas vieram da Suíça. Após ler as reportagens do DG, o analista de sistemas gaúcho George Fabris Justo, 41 anos, que mora em Genebra se sensibilizou com a garra de Clau. Com ajuda de uma amiga, fez doação de collants e sapatilhas em 2015. Em janeiro do ano passado, fez um chá beneficente em sua casa para arrecadar recursos. Conseguiu R$ 5.427 que foram doados à Clau. Em fevereiro deste ano, repetiu a ação e somou mais de R$ 6 mil, valor suficiente para renovar o figurino das meninas e comprar para as novas alunas.
— Este dinheiro também é importante para o figurino das apresentações, este ano faremos no final de novembro — prevê Clau.
Meninas ansiosas para voltarem às aulas
Para as bailarinas, vai ser difícil esperar até o começo das aulas, ainda incerto por falta de local.
— Elas dançam o dia inteiro em casa, estão muito ansiosas para começar — comenta a dona de casa Dione Nascimento, 51 anos e costureira do grupo, mãe de Melissa, 16 anos e Marina, 10 anos.
Este ano, Clau também terá cinco alunas que serão profes-auxiliares. Com a supervisão dela, irão ajudá-la na tarefa de ensinar a dança pra todas essas meninas:
— É mais uma etapa que estamos vencendo junto com a Clau. Estaremos ali de coração. Ver a felicidade dela nos motiva — diz Melissa.
Para gurias com pouco acesso à cultura e lazer, as aulas de balé de Clau são o melhor entretenimento do final de semana, além de ser a oportunidade de sonharem com um futuro melhor:
— Muitas das meninas que estão no balé superam a própria realidade para estar aqui, cuidamos bem delas para que sejam uma geração melhor, pessoas melhores — diz Marlene.
O que dizem a escola e a prefeitura
* Procurada pela reportagem, a direção da Escola Estadual Maurício Sirotsky Sobrinho informou que o ginásio deve ser liberado para as aulas até o começo de abril, sem precisar data.
* A Assessoria de Imprensa da prefeitura informou que o Centro da Juventude está a disposição para receber a profe Clau e achar uma maneira de de abrigar em seu prédio um "programa que a prefeitura considera muito importante para a cidade."