Não é preciso ser especialista para perceber que Porto Alegre, cada vez mais, se movimenta de bike. Se o que se observa é um maior número de ciclistas circulando, especialmente na região central, por outro lado, a infraestrutura cicloviária parece longe de acompanhar o ritmo da vida sobre duas rodas. A falta de manutenção nas faixas exclusivas existentes incomoda usuários e por vezes transforma a opção mais segura para a circulação dos ciclistas em gatilho de insegurança.
— As ciclovias e ciclofaixas não recebem manutenção, assim como as calçadas de Porto Alegre não recebem. A importância que as ciclovias têm é que são feitas para quem quer pedalar e não se sente seguro em circular com os carros. Às vezes, são feitas de maneira equivocada, mas trazem ciclistas — avalia Tássia Furtado, ativista e integrante da Associação Pela Mobilidade Urbana em bicicleta (Mobicidade).
A léguas de completar os 495 quilômetros de travessias previstos, o Plano Diretor Cicloviário conta com pouco mais de 46 quilômetros de faixas exclusivas que deixam a desejar em boa parte dos trechos já implantados. Por meio de relatos de 15 usuários e de uma verificação da reportagem, GaúchaZH mostra problemas espalhados por Porto Alegre.
Uma das mais utilizadas, a da Avenida Ipiranga ostenta rachaduras (acima) em diversos pontos, além de ser praticamente uma corrida de obstáculos: há árvores e estruturas de concreto que ocupam quase toda a faixa, e a falta de poda faz com que os galhos mais compridos virem um empecilho a mais para quem circula.
Apesar de ser uma das mais antigas da cidade, a faixa da Ipiranga não é a única a apresentar más condições. Na Rua José do Patrocínio, o piso esburacado (abaixo) pintado com uma tinta escorregadia mostra-se perigoso em dias de chuva.
A faixa da Avenida Loureiro da Silva está entre as que mais apresentam dificuldades de circulação: há trechos com galhos muito baixos sobre a pista estreita (abaixo), que em um dos intervalos é ladeada por um estacionamento muito rente à passagem.
Os trechos sobre a calçada estão apagados, dificultando a identificação por pedestres e ciclistas, e nas proximidades da Escola Técnica Parobé, no sentido Orla, um despejo de concreto ocupa quase toda a largura da pista, exigindo atenção redobrada do ciclista.
Também foram relatados problemas de manutenção nas faixas exclusivas da Nilo Wulff, na Zona Sul, e da Avenida Adda Mascarenhas, na Zona Norte. Enquanto na Zona Sul o piso está esburacado (abaixo), a falta de poda atrapalha a circulação em diversos trechos da Adda Mascarenhas.
EPTC afirma que manutenção é feita por solicitações
Em nota, a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) disse que "o serviço de manutenção das ciclovias é realizado segundo solicitações, seja da área de planejamento ou demanda externa. A execução da manutenção também depende da definição de prioridade e disponibilidade de material e equipamentos".
Segundo informou o órgão, a tinta vermelha nas ciclovias da Ipiranga e da José do Patrocínio não é mais utilizada para cobrir as faixas, "apenas no reforço de sinalização", mas não há previsão de alteração no pavimento já instalado. Para as rachaduras "significativas", conforme a EPTC, é solicitado reparo junto à Secretaria Municipal de Infraestrutura e Mobilidade (Smim). "Vale lembrar que não são todas as rachaduras que necessitam de reparo", destacou o texto.
Secretaria fará levantamento sobre falta de poda em ciclovias
Responsável pelas podas, a Secretaria de Serviços Urbanos informou desconhecer a realização deste tipo de serviço nos vegetais que ladeiam as ciclovias e ciclofaixas. Conforme o secretário Ramiro Rosário, a prefeitura deve lançar uma licitação até o fim do mês para terceirizar o serviço, que está sem contrato desde 2014. Estão sendo priorizados atendimentos de emergência e árvores com risco de queda.
— É possível que nunca tenha sido feito. Tem casos de podas que as pessoas aguardam anos e não são realizadas, porque as equipes não têm condições de atender todas as demandas. Estamos focando em situações emergenciais, como árvores que oferecem risco de queda, que podem machucar uma pessoa, oferecem risco ao patrimônio. As ciclovias são uma demanda que não havia chegado. Vou pedir para que façam um levantamento sobre isso — disse o titular da pasta.
Especialistas alertam para segurança
Na capital gaúcha, boa parte das ciclovias e ciclofaixas são contrapartidas de obras que ocorrem pela cidade. Além de ser uma das razões pelas quais o Plano Diretor Cicloviário se arrasta — há obras que levam anos até serem concluídas —, o modelo resultou em diversas faixas desconexas e impediu que se criasse uma padronização para as faixas exclusivas. Há diferentes tipos de pavimentos, tachões e guarda-corpos nos 46 quilômetros distribuídos pela cidade. Conforme a EPTC, o tipo de piso (há mais de uma opção) e o projeto de sinalização são definidos pelo órgão, que informou, ainda, que a prioridade nos próximos trechos a serem implantados devem ser as ligações entre as faixas já existentes.
Para especialistas, o dilema entre implantar estruturas de baixa qualidade ou aguardar para realizar um serviço melhor é pertinente. É preciso cuidado: fazer uma faixa exclusiva é uma sinalização de segurança, ou seja, um trajeto mal planejado ou mal executado pode dar uma falsa informação ao ciclista, colocando-o em uma situação vulnerável. Ainda assim, haver uma estrutura segregada para garantir uma circulação mais segura em vias onde os carros circulam em velocidade acima dos 40km/h tende a ser mais vantagem do que não ter a opção.
— A primeira reflexão que se tem de fazer é que a bicicleta é um modal com uma característica muito complicada para compartilhar espaço com automóveis. Nossas cidades não foram preparadas para ter o fluxo da bicicleta, então, onde isso se mostrou viável, tem de ser bem mantido. É uma política pública importante e justificada sob todos os pontos de vista — avalia Carlos Hardt, professor de gestão urbana da PUC do Paraná.
Na avaliação de Hardt, como as bicicletas exigem um piso mais regular que o automóvel para a circulação, investir em um bom pavimento é o melhor jeito de garantir uma circulação segura e economizar na manutenção a longo prazo. Coordenadora de mobilidade da WRI Brasil, Paola Manoela dos Santos destaca que as faixas exclusivas são apenas parte da infraestrutura cicloviária, essencial para estimular o uso da bicicleta nos centros urbanos.
— É importante que o ciclista tenha uma rede para circular em vias seguras, independente de ter ciclovia ou não, que tenha onde estacionar bicicletas, conectar com outros modais. A infraestrutura cicloviária vai além da ciclovia — diz.
A falta de infraestrutura adequada para os ciclistas está entre os problemas que mais afetam quem anda de bike na Capital. Uma pesquisa sobre o perfil do ciclista em Porto Alegre realizada em 2015 pela Parceria Nacional Pela Mobilidade em Bicicleta, união de organizações ao redor do Brasil em prol de quem pedala, mostrou que 27% dos entrevistados consideram esse o principal entrave à vida de ciclista, atrás da falta de respeito dos motoristas (33,5%) e da falta de segurança no trânsito (28%) — uma nova edição do estudo deve ser divulgada nos próximos meses. Ter mais infraestrutura cicloviária foi apontado por quase metade dos entrevistados como um estímulo para pedalar mais.
"Acho fantástico que tenha um espaço separado"
Usuário assíduo das ciclovias e ciclofaixas da Capital, por onde passa diariamente para ir à faculdade e realizar atividades pessoais, o estudante Viktor Leon, 21 anos, tomou um susto durante seu trajeto meses atrás. A metros de chegar a seu destino pelo ciclovia da Avenida Loureiro da Silva, sentiu o pneu esvaziar ao passar por despejo de concreto no meio da faixa exclusiva.
— Estava indo para a faculdade, distraído, quando furou o pneu. Acho fantástico que tenha um espaço separado para o ciclista, porque entre os carros é difícil circular, mas alguns pontos tem defeitos que não permitem que o ciclista trafegue com tranquilidade — lamenta.
Como pedalava em uma bicicleta do BikePoa, conseguiu resolver o percalço sem precisar voltar para casa: empurrou a bike até a estação mais próxima, acionou o serviço para avisar do problema e conseguiu retirar outra, disponível na estação. Passou a redobrar a atenção no trajeto de ida — na volta para casa, já era obrigado e ficar ligado para não bater nos galhos baixos sobre a mesma ciclovia, no sentido contrário.
Apesar do incidente, o estudante que se mudou de Santa Maria para Porto Alegre no começo de 2017 segue um entusiasta das faixas exclusivas da Capital.
— Prefiro andar sempre na ciclofaixa. É mais seguro, uma garantia de que não vou ter que enfrentar o carro. E porto Alegre é perfeita para isso. Facilita muito o deslocamento na cidade — diz.
Conforme a EPTC, foi realizada uma vistoria na ciclovia da Avenida Loureiro da Silva, e o resíduo de concreto encontrado seria de uma obra particular. A remoção já foi solicitada, segundo o órgão.
O que diz a EPTC
O órgão se manifestou por nota
"A Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) entende que toda a sinalização necessita de manutenção, e não é diferente com as ciclovias. Em janeiro de 2017, foram repintados os trechos das calçadas da ciclovia da Avenida Loureiro da Silva. Os reparos são mais frequentes no local em função do tipo de piso, com revestimento em basalto.
No momento, nossos equipamentos de pintura estão estragados, não possibilitando a execução de grandes trechos de linhas. Os mesmos foram enviados para conserto e, até o fim de janeiro, devem estar à disposição para retomar o trabalho de sinalização das ciclovias em trechos mais longos.
A sinalização dos cruzamentos da ciclovia da Avenida Loureiro da Silva está sendo repintada. Inicialmente, o trabalho será realizado no sentido bairro-centro e depois ampliado para os dois sentidos da ciclovia.
A prioridade são os cruzamentos por envolverem mais risco de acidentes graves. Ocorrências nesses locais podem envolver veículos, ciclistas e pedestres. Após a pintura dos cruzamentos, serão sinalizadas as calçadas.
Sobre o cronograma de manutenção, depois da Avenida Loureiro da Silva, o trabalho será realizado nas ciclovias da Avenida Érico Verissimo e, posteriormente, na José do Patrocínio."