Em um movimento ágil, Cezar Gordo pula e encaixa o skate na borda de um cofre boca-de-lobo cimentado no chão. Estica a manobra até o fim da estrutura e sai deslizando pela calçada sob o viaduto Imperatriz Dona Leopoldina – ou "Brooklyn", como ficou conhecido após ser adotado por quem anda de skate em Porto Alegre.
Sob o viaduto da João Pessoa, dividindo o Centro da Cidade Baixa, o Brooklyn começou a ser frequentado pelos praticantes do esporte no fim da década de 1990 – as muretas de concreto ofereciam desafio aos skatistas em uma "cara de rua" adequada para fotos e vídeos usados em revistas especializadas. A partir dali, skatistas profissionais como Gordo, campeão brasileiro em 2004, impulsionaram suas carreiras. Desde 2010, pequenas "reformas" no vão para melhorar os obstáculos levaram praticantes a ocupar o local principalmente aos finais de semana e durante as noites, beneficiando-se da iluminação. Eventos e novos negócios surgiram no local.
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FOTOS: um Brooklyn aqui no Centro
– O skate ativa os lugares, dá vida a locais abandonados. Traz muito mais atividade que destruição – afirma Cezar Dal Pozzolo, nome "de empresário" do porto-alegrense de 35 anos que fez a manobra conhecida como nosegrind descrita no início do texto.
Filosofia do "faça você mesmo" foi levada ao pé da letra
Junto à UFRGS e ao Parque da Redenção, o ponto materializa em concreto a filosofia do it yourself, ou "faça você mesmo", própria do skate. Adotado pela falta de locais específicos para praticar manobras em Porto Alegre, com o tempo o espaço sob o viaduto começou a ser melhorado. Primeiro, uma rampinha pra dar velocidade às manobras no chão foi instalada. Em seguida, vieram um corrimão, um caixote "sobe e desce", uma rampa em curva que lembra um tubo cortado e outra específica para tentar o "wall ride" – manobra em que o skatista desliza com o skate em uma parede. Por fim, há o cofre cimentado ao chão – de verdade e pesando 700 quilos, como informa o responsável por sua instalação, Erton Cardoso Júnior, 28 anos.
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Ele lembra que areia, brita e cimento eram carregados, de madrugada, pelos próprios esportistas, que precisavam torcer para que as obras ainda estivessem no local no dia seguinte. Instalados em um ponto ermo, os equipamentos foram tolerados pela prefeitura.
– Aquele ali demorou dois dias pra ser construído e custou uns R$ 2 mil – conta Erton, apontando para um caixote. – É um investimento, mas precisamos fazer isso pelo skate.
Para Cezar Gordo, levantar de madrugada para construir obstáculos para ter onde andar é uma forma de reivindicação dos skatistas por mais locais adequados para à prática. Como tradicionalmente a oferta de estrutura é menor do que a procura, é normal que os skatistas decidam fazer as "benfeitorias" ele mesmo.
– Quando tu não tem uma coisa e não espera que ninguém faça algo para reverter essa situação, é preciso tomar alguma atitude. Aconteceu aqui em Porto Alegre o que rola em todo o Brasil: a necessidade de ter onde andar fez a galera se unir – diz Gordo.
Feiras, festas e até ensaio de bloco de Carnaval
Eventos de rua são mais comuns nas cercanias do Largo Zumbi dos Palmares e em ruas próximas, como José do Patrocínio e Lima e Silva. Mas, recentemente, o Brooklyn levou movimento a um lado mais acostumado a formaturas e festas estudantis no Campus Central da UFRGS: são feiras, festas, e até bloco de Carnaval – o Ziriguidum costuma ensaiar ali às terças.
A "adoção" do viaduto por skatistas é um dos fatores do interesse recente de comerciantes pelo local – em um raio de 80 metros do Brooklyn, agora há uma loja de discos de vinil, um food park, com dois foodtrucks, e um bar, que tem os skatistas como parte de seu público fiel. Quando o DJ e skatista Buiu Rodriguez e outros dois sócios resolveram abrir um bar, o local óbvio foi o Brooklyn, ponto de encontro dos amigos desde os anos 1990.
– Nosso público, a galera do skate, já estava aqui, então fomos atrás deles. De vez em quando, a música que tá rolando aqui no bar é a trilha sonora do rolé da gurizada – conta Buiu.
O público vem se diversificando, especialmente por conta de eventos com temática mais diversa, como a festa "Cumbia na Rua" e a feira "Me Gusta". Responsável pela Feira do Vinil e proprietário da loja de discos Bugio Discos, que fica ao lado do Brooklyn, Caco Spector diz que ir além do skate ajuda a desenvolver o ponto.
– Gostaria que isso aqui fosse frequentado por mais gente além do pessoal do skate e das outras ações culturais que acontecem aqui – opina.
Munir Zambran, proprietário do Buenas Beer Fun Food, localizado a poucos metros do viaduto, também realiza eventos ali e garante que procura evitar transtornos aos moradores do entorno – encerrando atividades até as 22h e fazendo a limpeza. Mas, para festas maiores como a Cumbia na Rua, acha que falta estrutura e respeito às limitações do local.
– Na maior parte dos eventos no Brooklyn, o pessoal respeita, junta o lixo, entende que precisa finalizar em determinado horário. Algumas festas trazem três banheiros químicos para atender mais de 2 mil pessoas, e parte desse público não tem noção, faz xixi em qualquer lugar, quer pichar as coisas, fazem barulho até muito tarde. As pessoas às vezes não se dão conta de que isso também é um lugar residencial – reclama Zambran.
Eventos bem-vindos, mas com mais estrutura
A Brigada Militar não tem registro de ocorrências de vandalismo ou perturbação no local. Mas, quando há função até tarde, o casal de zeladores de um edifício na esquina do Brooklyn já se acostumou a ficar acordado para evitar pichações no prédio.
– Quando tem festa, eles se espalham por tudo aqui, do viaduto até a praça. Normalmente os pichadores nos respeitam, mas a gente fica cuidando – afirma Mara Lopes, 60 anos.
A produtora cultural da Cumbia, Ravena Xavier Mesecchi, admite que algumas festas pecaram pela falta de organização, mas o coletivo está atento a isso:
– Estamos lapidando a organização da festa para que isso não aconteça mais. Uma coisa que fazemos desde sempre é, quando publicamos o evento no Facebook, avisar o pessoal que cada um é responsável pelo espaço e pelo seu lixo.
Zambran, que também promove eventos no viaduto, destaca que outros eventos realizados no lugar conseguem respeitar as limitações do ambiente:
– Aqui é um lugar diferente, e queremos estimular que outras ações de ocupação aconteçam também. O público gosta do espaço e da localização. Quando fazemos eventos nos finais de semana no Brooklyn, evitamos que passe muito das 22h, por exemplo. Acho que é esse tipo de conscientização que falta para algumas pessoas, de pensar que não são só estabelecimentos comerciais, mas também tem gente que mora aqui.
Moradores pedem atenção da prefeitura ao entorno
O visual de concreto de um viaduto já não costuma compor um ambiente agradável, mas segundo moradores do entorno a sensação de insegurança vem da praça Largo Archymedes Fortini, ao lado do Brooklyn. Mal iluminado e com piso desnivelado, o local tem bancos instalados na calçada, virados para a movimentação de carros na Perimetral.
Acabar com essa primeira impressão ruim é uma das missões de Ivone Mendina, proprietária de um edifício de três andares ao lado do Brooklyn. Em 2015, ela comprou o prédio com a ideia de restaurar a construção e aproveitar a infraestrutura proporcionada pela região central da cidade. Hoje, o edifício abriga, a Bugio Discos, o bar Novetrês, e a loja de cópias Copiasul. Os comerciantes do local e a proprietária do prédio estão se organizando para criar uma associação com o objetivo de revitalizar a praça.
Ivone acredita que uma das principais causas da percepção de insegurança é o abandono do local, bem como a falta de sinalização no trecho da Rua Sarmento Leite que permite que carros estacionem na calçada.
– Se a praça fosse revitalizada, até os familiares de quem anda de skate aqui poderiam ter uma experiência melhor – acredita Ivone.
Ela conta que, no final de 2016, solicitou à Secretaria de Meio Ambiente um projeto para realizar reformas na praça. Propôs que indicassem o que deveria ser feito. Ela bancaria.
– Disseram que iam pensar, mas nunca me deram retorno - diz.
Sócio do bar Novetrês, Alexandre Cooper afirma que a intenção dos comerciantes é usar o local não só para quem procura uma opção nova de lazer, mas também para dar a sensação de segurança a quem ainda não confia no lugar.
– A ideia é criar um ambiente agradável, com opções para quem busca lazer mais voltado à cultura. Hoje o pessoal está buscando ocupar mais os espaços públicos. Queremos fazer parte disso – diz.