De volta à Câmara de Vereadores de Guaíba desde 1º de junho, após cinco meses afastada, a vereadora Fernanda Garcia (PTB) comparece às sessões sem entrar no plenário. Barrada pela falta de um elevador, a cadeirante participa de debates e votações por videoconferência.
Fernanda passou quase todo o início de sua primeira legislatura em licença médica. Recuperava-se de um acidente causado pela própria falta de acessibilidade da Câmara: ao usar um equipamento para subir as escadas até o terceiro andar do prédio, onde fica o plenário, caiu e fraturou o fêmur. Ao retornar, a Casa montou o sistema de videoconferência a pedido da parlamentar, que viu o mesmo recurso sendo usado em Charqueadas.
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– Fico no gabinete com um fone para ouvir tudo que é falado no plenário. Quando aperto o botão para pedir a palavra, minha imagem aparece em um telão para os outros vereadores – conta Fernanda.
Ainda deve levar cerca de 90 dias para que um elevador seja instalado no prédio. Quando isso acontecer, será o fim de uma novela iniciada em 2010, quando o equipamento foi pedido. Ainda assim, não será suficiente para dar à vereadora as mesmas condições de trabalho dos outros parlamentares. Ela vai conseguir entrar no plenário, mas não discursar na tribuna – para subir, não há rampa para cadeira de rodas.
Conforme o presidente da Câmara de Vereadores, Doutor Renan Pereira (PTB), as providências para resolver a acessibilidade na Mesa Diretora e na tribuna estão sendo tomadas e todos os ajustes deverão ficar prontos junto com o elevador.
– Com a rampa, a vereadora poderá subir e exercer sua função de segunda secretária da Mesa Diretora, na ausência do primeiro secretário e fazer uso da tribuna. Porém, não há como a ela permanecer atrás da tribuna pela altura padrão do móvel em relação a cadeira de rodas. A solução será ela se posicionar na lateral da tribuna, para exercer seu direito de pronunciamento.
Banheiros foram adaptados
Cinquenta e quatro degraus separam Fernanda do plenário. Ao retornar da licença médica, a vereadora ganhou um gabinete no andar térreo do prédio e uma vaga de estacionamento preferencial em frente à Câmara. Os banheiros também foram reformados e adaptados. Embora consiga participar das sessões, a telepresença traz dificuldades: já aconteceu de o áudio falhar, e o fone de ouvido apertado machuca pela necessidade de ficar um longo tempo usando – a sessão dura entre uma hora e meia e duas horas.
Além disso, existem diversos projetos dentro e fora da Casa que ela não consegue acompanhar por falta de acessibilidade no local. A própria calçada do Legislativo não é adaptada: a curvatura da rampa impossibilita que Fernanda acesse o passeio sozinha.
– Quando saio de casa para ir trabalhar, aviso uma das minhas assessoras, que fica me esperando para me ajudar a subir a rampa de acesso à calçada. Não consigo subir nem descer sozinha, pois a rampa é muito íngreme – conta.
Depois da sua chegada, os vereadores e funcionários da Câmara criaram mais empatia com a causa e passaram a entender melhor as dificuldades das pessoas com mobilidade reduzida, afirma a parlamentar. Para colocar isso em prática, quando é preciso fazer alguma reunião antes ou durante as sessões, os vereadores descem do plenário (no terceiro andar) até o térreo para que Fernanda possa participar da consulta. Hoje, isso é um hábito, mas nem sempre foi. Há alguns meses, foi feita uma foto oficial com todos os vereadores. Fernanda estava presente no Legislativo, mas não participou da foto.
– Os colegas esqueceram de descer para que eu pudesse participar do registro. Meu nome aparecia na descrição da foto, mas eu não estava lá – lamenta.
As consequências do acidente não foram os únicos problemas com locomoção que atrapalharam os planos de Fernanda. Há 24 anos, quando ficou paraplégica, precisou parar de estudar, pois o colégio não tinha acessibilidade. A família teve que pagar pela obra de adaptação.
– Meu pai é mecânico, precisou se esforçar para conseguir pagar a obra e possibilitar que eu continuasse os estudos. Mesmo assim, na época, eu não pude fazer faculdade e perdi muitas oportunidades de emprego, pois não havia ônibus adaptado para que eu pudesse me deslocar – relata.
Demora de quase uma década por elevador
O projeto de instalação de um elevador na Câmara foi feito há uma década. Desde então, a Câmara teve seis presidentes. O aparelho chegou a ser comprado, e a obra teve início em 2010, mas foi embargada em 2013 pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) por irregularidades no processo de contratação da empresa que faria a montagem. Conforme o atual presidente da Casa, Doutor Renan Pereira, foram gastos em torno de R$ 708 mil nesse projeto. Após o acidente de Fernanda, sem sucesso na tentativa de liberar o contrato inicial, Doutor Renan abriu nova licitação para executar a implantação do elevador. As obras foram iniciadas no final de julho, e a previsão de término é para final de outubro. O custo total da implantação será de R$ 155 mil.
Fernanda conta que há pessoas que questionam se o dinheiro usado para instalar o elevador não deveria ser direcionado para a saúde, mas que há também muita gente que já consegue olhar para a situação das pessoas com mobilidade reduzida com mais sensibilidade.
Conforme a vereadora, não é fácil implementar leis que favoreçam as questões de acessibilidade, já que o Legislativo tem ações limitadas e muitas coisas só podem ser feitas pelo Executivo. Por isso, foi criada uma comissão para atualizar a Lei Orgânica de Guaíba e o regimento interno da Câmara. Fernanda fez um projeto de lei para que os ônibus fossem obrigados a parar fora do ponto para os cadeirantes, desde que seja dentro do itinerário. A proposta foi vetada pelo Executivo, sob o argumento de que essa questão envolve acordo com as empresas de transporte público e orçamento, não podendo ser executada pelo Legislativo.
Trabalho e saúde prejudicados
Fernanda acredita que exercer a função se torna mais difícil para ela do que para os outros.
– Na Câmara, sou segunda secretária. Quando o primeiro secretário se ausenta, muitas vezes outro vereador é chamado para assumir a mesa diretora, já que não posso sentar junto aos outros. Na cidade, são poucas as ruas nas quais consigo andar sozinha – relata Fernanda.
A vereadora conta que o acidente prejudicou sua saúde ainda mais, pois a perna fraturada exige cuidados diários e um tempo de repouso maior. Antes de ser eleita, Fernanda estava acostumada a chegar ao trabalho às 9h e não ter hora para ir embora – agora, não pode mais ficar tanto tempo com a perna dobrada. Em pelo menos um dos turnos, ela tem de manter o joelho esticado e colocar gelo. Mesmo assim, comemora, pois percebe que a convivência na Câmara tem feito com que as pessoas ao redor percebam as dificuldades pelas quais os cadeirantes passam e a importância da acessibilidade, tanto na Câmara, quanto no resto da cidade.