Uma semana depois de uma ação da Brigada Militar (BM) para desobstruir a Rua João Alfredo terminar em confusão, a paz parece ter retornado à Cidade Baixa na madrugada deste domingo (23). Com base em um reforçado aparato oficial, em uma ação conjunta entre a BM, a Guarda Municipal e a Empresa Pública de Transportes e Circulação (EPTC), os agentes públicos conseguiram manter o fluxo de veículos na via, coração da Cidade Baixa – principal bairro boêmio de Porto Alegre –, sem que fosse necessário qualquer embate com os frequentadores de região.
Na madrugada do domingo anterior (16), um tumulto foi registrado na João Alfredo, por volta das 3h, quando a Brigada chegou a utilizar bombas de gás lacrimogêneo para liberar o trânsito, o que gerou tensão e correria pelas ruas da Cidade Baixa. Mesmo que não tenha resultado em feridos, o episódio deu início a uma animosidade entre parte dos frequentadores e a Brigada Militar.
Leia mais:
Ação da Brigada Militar para liberar trânsito termina em confusão na Rua João Alfredo, na Cidade Baixa
Frequentadores prometem ocupar a João Alfredo e BM diz que "reação da polícia vai depender das pessoas"
Tanto que, durante a semana, um movimento virtual intitulado Comitê de Ação POA convocou um evento na internet chamado CB Open Gás (Ocupa João Alfredo), que – até a noite de sábado (22) – contava com mais de 1,6 mil pessoas confirmadas. O "gás" era uma clara alusão ao lacrimogêneo usado pela BM para afastar os notívagos da via no final de semana anterior. Os policiais afirmam que reagiram depois de terem sido recebidos com garrafadas.
A mobilização nas redes sociais resultou em uma reação de igual tamanho por parte dos órgãos oficiais: no sábado (22), por volta de 19h30min, agentes do 1º Regimento de Polícia Montada (RPMon) já transitavam pela região – além do RPMon, também havia homens do 1º Batalhão de Operações Especiais (BOE) e do 9º Batalhão de Polícia Militar (BPM) –, demonstrando que o fechamento da via seria coibido com as forças policiais, caso necessário. Mais tarde, a partir das 22h, veículos da BM, da Guarda Municipal e da EPTC demarcaram espaços estratégicos na via, nos quais frequentadores costumam estacionar veículos e exibir potentes equipamentos de som, geralmente executando trilhas de funk ou rap – principal motivo das queixas de moradores ouvidas pela reportagem de Zero Hora na região.
– Hoje, se a Brigada não estivesse aqui, vocês (reportagem de Zero Hora) iriam ver o barulho que é normalmente – comentou o técnico de enfermagem A (temendo represálias, ele prefere não identificar-se), de 46 anos, morador da Rua João Alfredo.
De início, a presença ostensiva dos agentes oficiais chegou a deixar no ar uma certa tensão. Mas, no decorrer da noite, a medida mostrou-se bem-sucedida – os frequentadores do principal point da Cidade Baixa puderam curtir a noite sem incidentes. Entre a meia-noite do sábado e as 2h do domingo, mesmo com as ruas tomadas por populares, que por pouco não chegaram a interromper o tráfego de veículos – razão alegada pela BM para a ação no fim de semana anterior –, nenhum incidente grave foi registrado.
Defensores de ocupação pregam diálogo com moradores
Embora a mobilização virtual tenha sido muito maior do que a real, os defensores da ocupação da João Alfredo pelas pessoas marcaram presença na via, ainda que de forma tímida. Entre as centenas de pessoas que vagavam entre os bares ou que eventualmente permaneciam paradas em frente a determinados estabelecimentos – a João Alfredo conta com pelo menos uma dezena de bares e danceterias –, houve quem levasse cartazes em defesa do movimento.
– Nosso papel é dialogar com os moradores – refletiu o professor de Educação Física Saulo Lorenzi, 26 anos. – O que está errado é o fato de passarem carros por aqui. O trânsito tinha de estar fechado, como acontece em alguns eventos esportivos. Aqui, já está carimbado como um lugar de festa.
Moradora da Cidade Baixa e estudante de Biblioteconomia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Mariah Machado, 23 anos, afirma que a ocupação das ruas é sinônimo de segurança para quem transita pelo local. Segundo ela, estar na via pública é também uma opção de diversão mais acessível a quem não quer ou não pode gastar com ingressos nas casas noturnas.
–A rua é um lugar para ser ocupado pelas pessoas – disse. – Não acho justo pagar 35 pilas para se sentir à vontade para se divertir em algum lugar – completa.