Nem a limitação física provocada por um AVC que paralisou todo um lado do corpo, nem os 90 anos completados ontem desestimularam dona Maria Antônia Oliveira Penteado, do Bairro IAPI, em Porto Alegre, de estar presente no que ela considera o evento mais importante do ano no seu calendário: a festa de Santo Antônio. Devota desde que nasceu, justamente no dia do santo, 13 de junho, foi batizada com o nome em homenagem ao protetor e nunca deixou de participar dos festejos. Mesmo depois que, há dez anos, foi acometida pela doença que comprometeu seus movimentos e fala, e passou a ser levada, em cadeira de rodas, pela filha, a bancária Delci Oliveira Cadury, 54 anos.
– Para ela, a comemoração do aniversário é sagrada, na festa de Santo Antônio. É uma emoção muito grande, porque sabemos o quanto, mesmo diante de todas as adversidades, a fé dela se manteve inabalada. É isso que nos motiva a seguir em frente e a vir todos os anos, faça chuva ou faça sol – contou, emocionada, Delci, limpando as próprias lágrimas e as da mãe após receber a benção de um frei com direito ao Parabéns a Você entoado em coro por alguns dos presentes.
Assim como dona Maria Antônia, outras milhares de pessoas compareceram, nesta terça-feira, aos festejos da Igreja Santo Antônio do Partenon, que contou com missas de hora em hora, procissões, distribuição de pães e bênção religiosa. Fé era palavra de ordem entre os presentes, e, por toda parte, o que se via eram pessoas enfrentando todo tipo de dificuldade para estar lá, fosse de distância, de locomoção ou física. Muitos alegavam estar ali para agradecer por alguma bênção alcançada, e tantos outros para pedir por saúde e trabalho, especialmente.
– Já pedi pela saúde do meu pai, de 88 anos, em um momento importante, e fui atendida. Fé e humildade são as principais lições que Santo Antônio nos deixou, por isso, temos de ser gratas – disse a aposentada Maristela Brandão Schramm, 58 anos, do Bairro Jardim Planalto, em Porto Alegre, que estava acompanhada da cunhada, Zeluza Schramm Palma, 56 anos, aposentada de Cachoeirinha, e da prima delas, Maribel Figueiredo Accorsi, 54, também aposentada, do Bairro Lindoia, na Capital.
– Viemos juntas todo ano. Doamos pães, assistimos às missas, recebemos as bênçãos. Saí de Porto Alegre há seis meses, mas nunca deixarei de vir para a festa – garantiu Zeluza.
Para o frei noviço Julio Trindade, 21 anos, que abençoava os fiéis, a crise econômica, financeira e a violência que assolam o país acabam sendo estímulos para o exercício da fé:
– É no momento de turbulência que ela se fortalece. As pessoas pedem por mudança, e, para quem tem fé, a esperança nunca é abalada.
Mas o noviço também reconhece a procura por uma das virtudes mais conhecidas de Santo Antônio: a sua face casamenteira:
– Já atendi duas pessoas que pediram um namorado. Eu disse que, se for da vontade de Deus, elas o encontrarão (risos).
Na fila do pão
Por volta das 16h, mais de 50 mil unidades de pães abençoados já haviam sido distribuídas. A estimativa era de que, até o final da noite, chegasse a 100 mil.
– A fome é a principal questão. O pão vem para saciá-la e representa fatura, bem-estar, saúde. Santo Antônio disse que, a quem tivesse fé, não faltaria o pão – explicou a irmã Maria de Lourdes Becker, 66 anos, que atua no festejo desde 2005 e estava na organização e distribuição do alimento que é todo proveniente de doações.
– São trazidos por pessoas que estão pagando promessas, devotos agradecidos por bênçãos ou simplesmente por quem quer ajudar – completou a irmã.
A técnica em enfermagem Magda Claudino, 38 anos, encarou a fila quilométrica com as filhas, Maria Luiza, cinco anos, e Sophia, um, para garantir o pãozinho santo.
– Sou devota, venho sempre, mas trouxe as crianças pela primeira vez hoje. Já perdi meu pai, mas, na época em que ele esteve doente, por conta de um AVC, pedi pela saúde dele e fui atendida. Sempre serei grata – contou.
Trabalho e fé de mãos dadas
A festa também movimentou o comércio local, com barraquinhas de artesanato, roupas, canecas, bolsas e acessórios com a estampa do santo. Numa delas, trabalhava como voluntária, pela primeira vez na festa, a auxiliar de disciplina Carolina Conceição, 28 anos. Ela faz questão de lembrar uma experiência transformadora que atribui ao santo também conhecido como casamenteiro:
– Nunca acreditei, mas sempre respeitei. Até que, em um momento bem crítico da minha vida, fui à igreja, toquei a imagem do santo e pedi proteção, clareza para tomar decisões. Depois disso, criei coragem para terminar meu casamento de dez anos e dar uma virada na minha vida profissional. Um ano depois, encontrei um novo amor e estou casada novamente há três anos.
Do outro lado da rua, Hararre Teixeira, 26 anos, comemorava as boas vendas das peças de roupas com a imagem do santo – tanto na religião católica quanto nas africanas, nas quais é representado pelo orixá Bará. Foram cerca de 40 vendidas até o meio da tarde. Segundo ela, um ano atípico, com mais negócios feitos do que nos anteriores.
– Não tem crise que diminua a fé. As pessoas não economizam quando o assunto é fé. Elas vêm e falam em saúde e emprego. Bem poucas mencionam o amor. Se existe crise, é para arrumar namorado (risos) – diverte-se a microempresária.
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