– As crianças das séries iniciais são prejudicadas por não terem a rotina escolar. Não estão sendo alfabetizadas como deveriam. Estamos virando um depósito de estudantes, no lugar de uma escola.
O desabafo é do diretor Fabrízio Carvalho, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Chapéu do Sol, no Extremo Sul de Porto Alegre. A instituição sofre desde o início deste ano com a falta de nove professores nas séries iniciais e finais, o que vem prejudicando cerca de 600 alunos (cerca de 60% de seus 955 alunos).
Pelo menos uma vez por semana, estudantes são dispensados por ausência de mestres em sala de aula. Dos professores em falta, parte se aposentou, foi remanejada ou deixou a rede municipal. Sem perspectivas de receber os quatro docentes das séries iniciais, dois de Matemática, um de História, um de Geografia e um coordenador para Educação de Jovens e Adultos (EJA), a direção reunirá todos os pais no próximo sábado para esclarecer a situação.
– Já passamos dos cem dias letivos e as turmas do sétimo ano, por exemplo, ainda não tiveram aulas de Matemática. Os alunos do primeiro, do segundo e do terceiro anos dos turnos integrais estão sendo dispensados pelo menos um turno por semana – revela o diretor.
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Protesto
Como forma de protesto, a comunidade escolar espalhou cartazes e faixas em frente ao prédio. Com três turnos, incluindo o EJA à noite, e turmas em tempo integral, a instituição preenche as horas dos alunos dos últimos anos adiantando as disciplinas de Artes e de Educação Física. Os mais novos ficam em sala de aula com o profissional responsável pela biblioteca – fechada no período – e dividindo o único professor volante disponível. A direção aguarda orientação da Secretaria Municipal de Educação (Smed) sobre como deverá recuperar as disciplinas.
A constatação do diretor é percebida pela dona de casa Carmem Santos, 60 anos, avó e bisavó de alunos do primeiro ano da escola. Moradora do Bairro Lami, a quase 20km da escola, Carmem optou por inscrever o neto Gustavo Loeblein e o bisneto Kayky da Luz, ambos de seis anos, na Escola Chapéu do Sol por ter turno integral. A decepção veio na primeira semana de ano letivo, quando os meninos foram dispensados num turno por falta de professor. Gustavo, que é autista, chora quando sabe que não terá aula.
– Sempre soube que o ensino municipal é de primeira linha, mas, infelizmente, não foi o que encontrei. Sou eu quem está ensinando em casa os meus netos a ler e a escrever. Estou pensando em trocá-los para uma escola estadual mais próxima da nossa casa – afirma Carmem, que ajuda a criar os meninos.
“Um absurdo”
Situação parecida ocorre com a dona de casa Tânia Machado, cujos netos Luan e Lucas, ambos de sete anos e estudantes do segundo ano, enfrentam pela primeira vez o problema. Todas as segundas-feiras, Luan não têm tido aulas, enquanto Lucas é dispensado às sextas-feiras. A avó garante que os netos reclamam quando não podem ir à escola.
– Eles são alunos dedicados e o meu medo é que isso prejudique o estudo deles. É um absurdo a prefeitura estar fazendo isso (não contratar novos professores) com as crianças que estão iniciando a vida escolar – reclama Tânia.
Sem previsão para resolver
A assessoria de imprensa da Smed afirma que não há previsão de suprir a falta de profissionais na escola e que, quando ocorrerem as nomeações, os nove profissionais deverão ser chamados ao mesmo tempo. Sobre a perda de mais de cem dias de aula, limitou-se a dizer que o ano precisará ser recuperado. Conforme a Secretaria, o déficit de professores nas 56 escolas municipais é de cerca de 240 profissionais, principalmente nos anos iniciais e de Português, Matemática e Educação Infantil. A rede conta com cerca de 4 mil professores.