O economista Leonardo Maranhão Busatto, 33 anos, completa seis meses à frente da Secretaria da Fazenda de Porto Alegre em meio a um bombardeio dos servidores municipais, que não aceitam o parcelamento da folha. Funcionário público estadual, ele próprio tem o contracheque parcelado desde fevereiro de 2016 e diz compreender a angústia dos críticos. Apesar disso, garante não haver alternativa e conclama a população da Capital a participar mais dos debates na Câmara – que na última semana foi palco de uma grande derrota para o governo, ao tentar acabar com o reajuste automático das remunerações do funcionalismo municipal. A seguir, confira os principais trechos da entrevista, concedida no gabinete do secretário.
Leia mais:
Ao parcelar salários, prefeitura acirra ânimos com servidores e vereadores
Como prefeito, vereadores e servidor enxergam a situação financeira da cidade
"O governo aterroriza para tirar direitos", afirma diretor-geral do Simpa
Que balanço o senhor faz dos primeiros seis meses de governo?
Fizemos uma redução de despesas significativa, talvez até histórica. Ao mesmo tempo, temos uma grande despesa fixa: o gasto com pessoal. Mesmo com redução de CCs, retirada de gratificações e limitação do teto salarial, estamos pagando aumentos concedidos pela gestão anterior que são insustentáveis. Até maio, tínhamos o IPTU e o IPVA para cobrir os déficits. Em junho, não teremos mais.
Qual é a projeção até o fim do ano?
Os parcelamentos vão continuar, e os meses de junho a outubro serão muito ruins.
Então a tendência, no curto prazo, é piorar?
Sim. Nosso grande desafio é sobreviver até dezembro. Se não conseguirmos aprovar os projetos que estão na Câmara e se a economia não melhorar, seguiremos com problemas em 2018. Não tem milagre. Recebemos uma prefeitura que devia R$ 300 milhões a fornecedores e que sacou R$ 150 milhões do caixa único. As pessoas podem reclamar, podem discutir, mas o que está acontecendo é a consequência de um histórico de gestões que não enfrentaram questões estruturais.
Porto Alegre está fadada a ter o mesmo destino do Estado, que parcela salários há 16 os meses?
Se não mudar, Porto Alegre caminha para o destino. Temos um problema previdenciário muito complicado e um aumento de despesas automático, com a reposição anual dos salários dos servidores. A única vantagem é que a prefeitura não tem dívida grande como o Estado, mas a dívida está crescendo. Era quase inexistente há cinco anos e hoje é de quase R$ 1 bilhão.
O senhor deixou o comando do Tesouro do Estado com salários parcelados e agora vive a mesma situação na prefeitura. Como lida com isso?
Na prefeitura é mais difícil, porque a gente fica mais exposto à vida real. Os servidores estão todos concentrados em Porto Alegre, e as pessoas vivem mais o dia a dia da cidade. No Estado, é diferente. Há um certo distanciamento.
Na prefeitura, a pressão é maior?
Sim, mas, por ter enfrentado a crise no Estado, aprendi a não me desesperar.
É possível reequilibrar as contas sem o apoio dos servidores?
Diálogo não tem faltado. A gente entende o papel do sindicato e sabe que existem servidores conscientes, mas o que queremos é que a população de Porto Alegre decida o futuro da cidade.
A população precisa ir mais à Câmara?
Sim. A gente sabe das dificuldades da sociedade desorganizada, aquela que não é sindicalizada, que não tem corporação por trás. Mas essa parcela da população concordaria com o que estamos propondo e não está ocupando espaços na Câmara.
Não dá para cortar outras despesas para evitar o parcelamento?
Boa parte da despesa é rígida. Cortamos o que foi possível. Agora temos de atacar pelo lado da receita. A prefeitura é como um condomínio. Temos de decidir se queremos um condomínio grande ou pequeno. E temos de cobrar a conta do condôminos em atraso.
A cobrança da dívida não ficou abaixo do previsto no primeiro quadrimestre?
Ficou, mas o trabalho de cobrança é bom. O problema que enfrentamos, desde março, é decorrente da imposição do teto salarial, que pegou em cheio os servidores da Fazenda, e isso tem reflexos.
Que tipo de reflexos?
Os servidores não ganham mais nada para serem chefes de setores, então estamos praticamente sem chefias.
Isso pode prejudicar a cobrança da dívida?
Com certeza.
Como se reverte isso?
Estamos conversando com os auditores para buscar uma alternativa.
Foi um tiro no pé o prefeito exigir o cumprimento do teto?
Não. Até dezembro, havia salários acima de R$ 45 mil na prefeitura. E a Gabriela (personagem de Jorge Amado) ainda está muito presente. "Eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim." Esse sentimento persiste e precisa mudar. Aí temos de admirar a coragem do prefeito Marchezan.
Para o Sindicato dos Municipários, a prefeitura está fazendo "terrorismo". Há exagero no discurso?
O que o sindicato chama de terrorismo, nós chamamos de transparência. Convidamos várias vezes o Simpa a apresentar propostas. Até agora, não veio nenhuma. Também sou servidor e não recebo salário em dia do Estado há 16 meses. Não é fácil, mas é a realidade.
O sindicato obteve liminar na Justiça contra o parcelamento. Como vai ficar isso?
O Estado tem 29 liminares. O Judiciário estadual tentava sequestrar dinheiro da conta, batia e não encontrava nada. Vai ser a mesma coisa aqui.
O prefeito enviou projetos à Câmara para conter a crise, mas não incluiu a atualização da planta do IPTU, que não ocorre desde 1992. Por quê?
Para valer no ano que vem, a lei tem de ser aprovada até 29 de setembro, então ainda temos tempo. Pretendemos apresentar o projeto no fim de julho. Também não podemos propor nada que mexa no bolso do contribuinte sem fazer tudo o que podemos do lado da despesa, combatendo desperdícios.
A prefeitura pretende reduzir benefícios fiscais?
Temos pelo menos de discutir isso. Se a sociedade entender que clube de futebol não deve pagar imposto, tudo bem. Eu sou gremista, ok. Mas não concordo que Grêmio e Inter não tenham de pagar.
Vocês têm usado recursos do caixa único?
Temos devolvido recursos ao caixa único por uma questão de princípios. O dinheiro sacado hoje é uma dívida amanhã, e os salários seriam parcelados do mesmo jeito.
Os investimentos da prefeitura caíram 96%, ficando próximos de R$ 500 mil no primeiro quadrimestre. Quando será possível voltar a investir na cidade?
Com recursos próprios, eu diria que nos próximos dois anos é praticamente zero a chance de voltarmos a investir. Temos três alternativas: contratar operações de crédito, vender patrimônio, como imóveis e terrenos, e fazer parcerias público privadas.