No Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), problemas históricos de estrutura convivem com suspeitas de irregularidades em contratos. Apesar de denúncias no ano passado terem mostrado que a falta de fiscalização facilita desvios, a situação pouco mudou: a cidade segue pagando por serviços mal executados – e sofrendo com alagamentos a cada chuva forte.
Zero Hora mostra problemas no trabalho da maior terceirizada da prefeitura: a Cooperativa dos Trabalhadores Autônomos das Vilas de Porto Alegre (Cootravipa), que também tem, no município, seu maior cliente – os contratos vigentes chegam a R$ 46,8 milhões.
Por três meses, a reportagem do Grupo de Investigação (GDI) monitorou o trabalho de turmas da cooperativa para o DEP. Verificou que trabalhar número de horas menor que o estipulado em contrato é rotina, assim como baixa produtividade e o uso de equipes com menos funcionários do que o previsto.
Além disso, suspeitas levantadas após denúncias da série "Dinheiro pelo Bueiro" sobre a entidade – que, desde 2011, recebeu R$ 354 milhões em contratos da prefeitura – não foram apuradas até hoje. Medidas para controle e maior rigor foram anunciadas pela prefeitura em 2016. Mas, quando o assunto é a cooperativa, parecem estar sem efeito.
Sem fiscalização, cooperativa faz frete em horário de trabalho
É manhã de 13 de abril e uma equipe da Cootravipa sai da Seção Norte do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), em Porto Alegre. A equipe tem como missão a "manutenção e conservação do sistema pluvial". Ou seja: fazer serviços como reparos e limpeza para manter funcionando a rede por onde passa a água da chuva e, assim, evitar alagamentos.
Os trabalhadores que estão no caminhão placas IAY-4042 saíram da seção às 9h13min – o expediente começa às 8h. Nada incomum: atrasos até maiores são tolerados há anos pelo DEP. Às 9h34min, o caminhão para na Rua da Infância, bairro Rubem Berta. E parece que o serviço vai começar. Três dos cinco integrantes da turma descem e entram em um beco. Conversam. Dez minutos depois, vão embora sem fazer nada.
Nova parada às 9h48min. É na frente de uma casa que tem uma obra, na Rua Dr. Cândido José de Godoy, também no Rubem Berta. A equipe desce do caminhão para trabalhar e, 29 minutos depois, sai, levando junto uma pessoa que estava na casa.
O serviço é bem visível: trata-se de um frete. O caminhão que presta serviços ao DEP está carregado com sacos de caliça e uma geladeira branca duplex. Às 10h31min, o veículo chega ao destino, uma rua de chão batido no bairro Jardim Aparecida, em Alvorada. Em nove minutos, os sacos e a geladeira são descarregados. O eletrodoméstico é colocado dentro da casa. A caliça fica na calçada. Às 10h50min, o caminhão está de volta à casa de onde retirou o material, na Capital. Mais 10 minutos de conversa e a equipe vai embora. Depois de passar em um comércio na Rua dos Maias e conversar por alguns minutos, os trabalhadores voltam para a Seção Norte do DEP às 11h26min.
É o fim de uma manhã de trabalho, sem que qualquer serviço para a cidade tenha sido feito. Para zelar pelo escoamento das águas na Zona Norte, a Cootravipa tem um contrato de R$ 2.232.157,95.
DEP apontou diferença entre contratados e operários os que trabalhavam
O retrato de como atuam sem controle e sem fiscalização turmas da Cootravipa que trabalham para o DEP é a confirmação do que a prefeitura sabe há muito tempo: de que há irregularidades na prestação de serviço pela cooperativa que, ainda assim, recebeu por anos a íntegra do valor previsto em contratos. Em julho de 2016, quando Zero Hora publicou a série de reportagens "Dinheiro pelo Bueiro", revelando que empresas terceirizadas cobravam por serviços não existentes ou mal feitos, o desleixo em trabalhos da Cootravipa também foi retratado nas reportagens.
Em um relatório da gestão interina do DEP, que atuou entre julho e agosto do ano passado, depois de a direção ter sido afastada por causa das denúncias de ZH, está anotado: "Foi observado que nos quatro contratos de fornecimento de mão de obra da Cootravipa havia algumas discrepâncias entre o número de operários contratados e o número de operários que efetivamente compareciam ao trabalho".
Desde março, ZH monitorou o trabalho de turmas da Cootravipa em pelo menos seis oportunidades. Em todos os casos foi possível registrar atrasos, número de funcionários inferior ao contratado e falta de equipamentos de proteção individual, como luvas e calçados apropriados – a obrigação de fornecer esses equipamentos já foi tratada em Termo de Ajuste de Conduta entre a cooperativa e o Ministério Público do Trabalho. ZH também verificou que a produtividade das turmas quando estão na rua é, geralmente, baixa.
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CONTRAPONTOS
O que diz Imanjara Marques de Paula, presidente da Cootravipa
1) Sobre problemas na execução dos serviços e atrasos das equipes:
"Nunca nos foram comunicadas falhas (desde janeiro, quando assumiu), não recebemos nenhum tipo de notificação".
2) Sobre faltas:
"Nós só fazemos a fatura mediante a medição de serviços executados, quem emite a medição é o engenheiro do DEP. Se ocorre falta, é descontado. Faltou, desconta. Temos tido descontos de R$ 50 mil por mês por glosas do DEP".
3) Sobre turmas fazerem serviços como fretes em horário de trabalho:
"Nunca soube de casos assim".
4) Sobre fiscalização:
"A falta de fiscalização traz problemas para ambos os lados. Estamos com glosa do TCE, tendo que provar que trabalhamos plantões, feriados, domingos, enfim, o conceito dessa nova gestão da cootravipa é: quanto mais fiscalizar, melhor. Tem que haver métodos de controle não só da parte da terceirizada, mas do tomador de serviço. Se o departamento é responsável por fiscalizar, tem que ser mesmo responsável. Não pode depois de dois, três anos, ele vir dizer que não fiscalizou. Tem que fiscalizar em tempo real".
5) Trabalho de qualidade:
"Não é só falta de fiscalização. Temos na cidade canalizações antigas, áreas aterradas, precariedade de tubulações, e tem toda a questão de gestão. Tinha que fazer trabalho mais produtivo, exigindo sim produtividade, não ir só apagar incêndio do 156 (chamados feitos pela população). Mas para isso precisa de pessoal, e o DEP é carente de recursos humanos. O DEP não tem estrutura física para se manter. Se a prefeitura trabalhasse em parceria com a prestadora de serviço, se fosse chamada para construir algo eficiente junto... mas hoje não tem nada preventivo (apenas atendimento às demandas do 156)."
6) O novo contrato:
O novo projeto básico é um avanço em muitos aspectos, mas confuso em outros. Avança porque traz a incumbência de cumprir metas, tarefas, não só trabalhar por hora. Mas muitas coisas que interferem no trabalho não foram levadas em consideração. Parece que há intenção de melhorar, mas se está perdido em como fazer isso ocorrer, como fazer que seja viável para a empresa, pois não pode ser algo em que tu só transfere as responsabilidades, e que seja viável para o órgão que está tomando o serviço fiscalizar de forma efetiva. Estamos avaliando se vamos participar (do pregão eletrônico para novo contrato de manutenção).