As salas estão novas. A cobertura, reforçada. A pintura interna, impecável. Mas o segundo piso do Mercado Público de Porto Alegre, bloqueado desde 2013, quando um incêndio atingiu o local, pode continuar intocado por permissionários e usuários até o ano que vem.
Semelhante a outras obras inacabadas da Capital, falta de dinheiro e entraves burocráticos estão na raiz do problema. O segundo pavimento de um dos prédios mais importantes do Estado segue interditado porque necessita de intervenções que custam pouco mais de R$ 2 milhões para atender às exigências dos bombeiros e poder reabrir. Embora não seja das mais expressivas, a quantia é esperada há quase dois anos pelo município.
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A solução mais óbvia para o problema é desanimadora. Pleitear recursos junto ao governo federal, que bancou boa parte da obra por meio do PAC Cidades Históricas, deve empurrar os trabalhos para o ano que vem. Isso porque a revisão técnica de uma documentação indispensável para a liberação da verba, solicitada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2015, só foi concluída neste ano. Os papéis devem ser enviados a Brasília nos próximos dias. Na capital federal, porém, esbarrarão em outra questão.
– Neste momento, o problema não é recurso. Mas, quando a parte técnica chegar, não tem nada garantido. A situação é crítica. Tínhamos recurso no início do ano, só que foi contingenciado em março. Mas não dá para dizer que até o fim do ano não vamos ter – pondera o diretor do PAC Cidades Históricas, Robson Antunes de Almeida.
Proposta de parceria público-privada gera polêmica
Alternativas para resolver o problema existem. Elas envolvem, porém, uma polêmica a respeito da administração do local, atualmente nas mãos da prefeitura. A Associação do Comércio do Mercado Público (Ascomepc) dispôs-se a levantar recursos e concluir as obras do Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI) sob a condição de assumir a gestão dos serviços de limpeza, manutenção e segurança. A proposta é estudada pela prefeitura, mas não é a única cogitada pelo poder público municipal.
Depois de o prefeito Nelson Marchezan manifestar a intenção de modificar o modelo atual de funcionamento do Mercado para uma Parceria Público-Privada (PPP), o município iniciou estudos "econômicos e jurídicos" para avaliar qual seria a melhor saída: um convênio com os permissionários ou uma PPP. Segundo o secretário de Desenvolvimento Econômico, Ricardo Gomes, ainda não há definição sobre o assunto. Caso a prefeitura opte pela parceria com a iniciativa privada, o PPCI poderia ser realizado por contrapartidas a fim de agilizar o processo, sem ter de esperar pela conclusão da concessão.
– O ideal é que quem assumisse a administração assumisse as obras. Mas a urgência é grande para qualificar e entregar o Mercado aos cidadãos de Porto Alegre. A meta é resolver no menor prazo possível – diz Gomes.
A insistência da prefeitura na possibilidade de abrir uma concorrência pública para que uma empresa assuma o Mercado não é vista com bons olhos pelos permissionários. Para a nova gestão da Ascomepc, empossada a semana passada, uma PPP poderia colocar em risco características fundamentais do Mercado Público.
– Nossa sugestão é que tudo seja feito filantropicamente pela associação. Com uma PPP, não vai ser assim. Não existe almoço grátis, e isso é uma coisa que nos preocupa. As pessoas vêm ao mercado por quê? Porque querem bom atendimento, qualidade e bom preço. Se tirar um desses pilares, o Mercado deixa de existir. Mercado não é um shopping. Mercado tem alma – avalia o vice-presidente Sergio Lourenço Rosa.
Em setembro do ano passado, o Ministério Público ajuizou uma ação contra o município pelo descumprimento de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que fixava prazos para a entrega do Mercado Público à população. Conforme a prefeitura, há tratativas para rediscutir os prazos, que já foram prorrogados duas vezes. O primeiro andar do prédio funciona normalmente – o segundo piso, no entanto, está bloqueado.
Vaquinha para sanar problemas
Os trabalhos necessários para adaptar o Mercado Público à legislação contra incêndios (substituir as duas escadas rolantes, instalar mais duas escadarias metálicas e um reservatório de água) não são os únicos que o local precisa. Há mais de 10 projetos no pacote que será enviado ao Iphan.
No total, os trabalhos somam mais de R$ 30 milhões – a existência de diversos projetos permite que sejam executados separadamente. Os ajustes incluem a parte não atingida pelo fogo, que terá de se equiparar ao quadrante refeito. Também estão previstas a reforma de toda a rede hidrossanitária e a criação de uma subestação de energia para sanar um problema crônico: a baixa capacidade de abastecimento.
Enquanto as melhorias não saem do papel, os permissionários buscam saídas para amenizar algumas das mazelas estruturais. A mais recente, em janeiro, resultou em uma "vaquinha" entre os donos das bancas para comprar um transformador e garantir o abastecimento das lojas no verão. Segundo os titulares da Associação do Comércio do Mercado Público, foram mais de R$ 120 mil.
– A gente quer fazer o Mercado melhor. Podemos ajudar com a gestão, construir algo que favoreça o mercado – diz o presidente da Ascomepc, João Alberto Cruz de Melo.