Menos de um ano após a ordem de início da obra que prometia pôr fim à espera de quase uma década do grupo de atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz por um local para exercer suas atividades, o Centro Cultural Terreira da Tribo está ameaçado. Paralisada com 11% dos trabalhos concluídos (há apenas as fundações e uma guarita de segurança), a construção na esquina da Avenida Aureliano de Figueiredo Pinto com a Rua João Alfredo, na Cidade Baixa, corre o risco de não se concretizar por falta de recursos.
A previsão de entregar o prédio no prazo previsto, até dezembro, está descartada por um entrave burocrático. O Ministério da Cultura (MinC), que financia parte da obra, não libera o pagamento das demais parcelas com uma justificativa no mínimo curiosa: diz não ter um profissional habilitado para avaliar a documentação que a prefeitura enviou – em 2016 – para prestar contas do andamento da construção.
Mas o principal obstáculo é financeiro: o projeto quadruplicou de valor desde que o convênio foi firmado entre o município e o governo federal, em 2010. Como a primeira versão se mostrou inexequível por problemas técnicos, em 2015 arquitetos da então Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov) foram incumbidos de elaborar uma nova planta. As adequações, que incluíram exigências do Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI), inexistentes antes, fizeram o valor da obra pular de R$ 1,4 milhão para mais de R$ 6 milhões.
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Mesmo assim, a prefeitura de Porto Alegre começou a construção em junho passado, quase oito anos após ter cedido o terreno. Como o convênio com o MinC não foi reajustado, a proporção das colaborações se inverteu: em vez de contribuir com cerca de R$ 100 mil, como acertado inicialmente, a prefeitura assumiu o maior montante, mais de R$ 4,5 milhões.
– Não foi feito o termo de reajuste devido junto ao MinC. Isso fez com que passasse a valer algo muito raro, que é uma contrapartida cinco vezes maior do que o valor do convênio – observa o secretário municipal da Cultura, Luciano Alabarse.
Na tentativa de destravar a obra, Alabarse enviou, em março, um ofício ao ministério. O documento solicitava providências em relação à prestação de contas enviada e questionava sobre a possibilidade de um reajuste do convênio. A primeira resposta do MinC, em abril, foi desanimadora. O ministério afastou a possibilidade de reajuste, por conta da demora e da “baixa execução” da obra. E sugeriu que a prefeitura extinguisse o convênio e devolvesse o investimento federal – corrigidos, seriam mais de R$ 560 mil.
Diante do impasse e de um caixa esvaziado, o procurador-geral do município, Bruno Miragem, avalia que a melhor alternativa seria manter o convênio e buscar parcerias para concluir os trabalhos – o que, segundo ele, poderia exigir alterações no projeto.
– O município não tem recurso. Temos dois caminhos: identificar uma parceria com alguém que se interesse em levar à frente ou rescindir o convênio, o que não gostaríamos – sinaliza.
De acordo com o MinC, uma decisão sobre o impasse deve ser tomada nesta semana. Se não romper o convênio, o ministério pode exigir a reavaliação do plano de trabalho atual.
Gasto mensal com aluguéis supera R$ 10 mil
Um dos mais longevos grupos de atuadores do Rio Grande do Sul, o Ói Nóis Aqui Traveiz realiza, há quase quatro décadas, espetáculos e oficinas de teatro gratuitos para a comunidade. Não há nada, porém, que assegure sua existência. O grupo sobrevive por meio de verbas de leis de incentivo, editais públicos, patrocinadores e parcerias com a iniciativa privada – um projeto aprovado pelo Itaú possibilitará as atividades até o fim de 2017.
– Fazemos projetos e estratégias para guardar recursos. Mas vivemos dia a dia: nada está garantido. Isso que faz com que a existência do Ói Nóis esteja sempre correndo risco – explica a atuadora Tânia Farias, que está no grupo há mais de 20 anos.
Caso saísse do papel, o Centro Cultural Terreira da Tribo – com um prédio de quatro pavimentos e 1,6 mil metros quadrados – permitiria ao grupo qualificar as atividades hoje realizadas e ter um respiro financeiro. Atualmente, somente com aluguéis, o grupo desembolsa, por mês, mais de R$ 10 mil. Os valores incluem a locação da sede, no bairro São Geraldo, e de um galpão onde fica armazenado o acervo de cenários e figurinos.
– Na verdade, essa é uma obra de interesse público, para fazer o que já fazemos de forma mais adequada. Queremos fazer o que estiver ao nosso alcance para que seja concluída – diz Tânia.
O Ói Nóis Aqui Traveiz é o homenageado desta edição do Circuito Nacional Palco Giratório, uma das mais abrangentes mostras de teatro do Brasil.