A contratação de uma consultoria para ajudar na definição de políticas públicas em Porto Alegre deflagrou um debate sobre o nível de influência da iniciativa privada na gestão da Capital. Especialistas divergem sobre a legitimidade de consultores financiados por empresas interferirem, sem passar por seleção pública, em áreas tão centrais como reforma administrativa, contratação de servidores e metas de secretarias. As entidades envolvidas argumentam que prestam assessoria a governos de diferentes siglas com o objetivo de dar mais eficiência ao setor público.
A bancada do PT entrou com uma representação no Ministério Público de Contas (MPC) pedindo uma averiguação sobre a regularidade do acordo por ter dispensado licitação e envolver o uso de estrutura pública, já que os consultores atuam na prefeitura. O procurador-geral do MPC, Geraldo da Camino, solicitou informações ao governo municipal para decidir se arquiva a representação, requisita informações ou encaminha representação ao Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Além do aspecto legal, a parceria desperta debates entre especialistas. Para o advogado especializado em gestão pública Ney Francisco Hoff Jr., faz bem ao setor público assimilar as boas práticas do setor privado.
– O Estado não pode abrir mão de sua responsabilidade em fomentar e captar conhecimento para a solução de seus problemas estratégicos. No entanto, quando a administração avalia que não reúne condições estruturais ou qualitativas para o desenvolvimento de determinada ação, pode buscar a colaboração do setor privado – diz Hoff.
Professor de Administração Pública da UFRGS, Aragon Érico Dasso Jr. acredita que a Comunitas oferece consultoria gratuita para moldar a gestão ao gosto da iniciativa privada:
– O elemento central dessas consultorias é dar uma linha política para a gestão. Quando a Comunitas assina um termo de cooperação, as empresas que financiam o trabalho é que estão dizendo como deve ser a gestão pública.
Professor de Economia do Setor Público da Unisinos, Paulo Roberto Franz faz uma avaliação intermediária: sustenta que toda contratação de serviço com objetivo de melhorar a gestão é válida, mas deveria passar por uma seleção pública.
– O Estado não deve aceitar ofertas para prestação de serviço gratuito, porque aí o processo perde transparência – analisa Franz.
Assessora jurídica da Federação das Associações de Municípios (Famurs), Elisângela Hesse observa que a Lei Federal 13.019, que passou a valer neste ano para as prefeituras, regula a contratação de organizações da sociedade civil como a Comunitas. Para Elisângela, a legislação admite a contratação de consultorias sem licitação em casos específicos:
– Mesmo quando não há desembolso da prefeitura, pode haver um chamamento público. Porém, quando se considera que só uma entidade pode atingir o objetivo pretendido, pode ser firmado um acordo diretamente com ela.
Sobre as críticas de que poderia implantar medidas de interesse de grandes empresas na gestão pública, a Falconi sustenta que se trata de uma avaliação "completamente equivocada". Diz, em nota, que "o intuito do método de trabalho (...) é alcançar resultados por meio do aperfeiçoamento da gestão, e isso se aplica tanto à esfera pública quanto à privada. Uma gestão mais eficiente consequentemente traz mais benefícios à sociedade".
A Comunitas, também por meio de nota, defende que "o acordo de cooperação com a Prefeitura de Porto Alegre, por meio de parceria técnica com a Falconi Consultores, contempla o diagnóstico dos principais desafios da cidade. O trabalho segue as normas legais e é pautado na ética e na transparência (...)". Procurada por ZH, a prefeitura de Porto Alegre informou que a manifestação da Comunitas também traduz a posição do município.
O ACORDO NA CAPITAL
Do objeto
– As atividades previstas para a execução do plano de trabalho ocorrerão prioritariamente dentro das instalações do município, salvo para atividades/etapas que contarão com dados e informações de outros órgãos públicos. Nestes casos, o município compromete-se também a disponibilizar as condições adequadas (...).
– A coordenação e supervisão geral do projeto ficarão sob responsabilidade da Comunitas, e a execução das atividades específicas ficará sob responsabilidade dos parceiros técnicos da Comunitas, a saber: Falconi (INDG) e demais parceiros (...).
– O projeto será financiado pela Comunitas, que poderá captar recursos financeiros para sua execução perante empresas e institutos (...).
Compete ao município
– Fornecer apoio político-institucional e dados técnicos necessários ao desempenho das atividades a serem executadas.
– Disponibilizar servidores, computadores, cadeiras e mesas com condições adequadas de ergonomia, pontos de acesso à internet para uso de e-mails e ramais telefônicos (...).
– Exercer a atividade normativa, o controle e a fiscalização sobre a execução deste acordo (...).
– Analisar os relatórios das atividades pertinentes ao projeto e certificar que as atividades, metas e etapas respectivas foram adequadamente realizadas.
Compete à Comunitas
– Coordenar a execução das atividades (...), avaliando os resultados e zelando pela observância de qualidade técnica.
– Prestar ao município, sempre que solicitado, informações e esclarecimentos necessários (...).
– Encaminhar relatório de acompanhamento a cada três meses e um relatório final de avaliação ao término de cada exercício.
– Guardar sigilo e respeito à confidencialidade das informações e demais dados (...).
Sigilo e confidencialidade
– O município deverá disponibilizar dados sigilosos para viabilizar a execução do projeto (...).
– Não poderão ser disponibilizados dados que permitam a identificação de contribuintes Pessoa Física e Jurídica, sendo certo que os dados dos servidores do município serão disponibilizados e deverão ser tratados como documento confidencial.