O prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan, sustenta que não tem planos de extinguir o Orçamento Participativo – criado durante a gestão de Olívio Dutra e uma das marcas pelas quais a Capital é reconhecida dentro e fora do Brasil – apesar da anunciada suspensão da coleta das demandas populares.
Marchezan afirma que a interrupção no registro dessas demandas, tradicionalmente feitas em assembleias, é fruto da crise financeira do município e uma maneira de não iludir a população com falsas expectativas. Confira trechos da entrevista concedida a ZH:
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O que o senhor acha do OP? Pode acabar ou é importante para a cidade?
Não foi suspensa nenhuma reunião do OP. Todas as reuniões serão mantidas, mas não mentimos para as pessoas. Não estamos enrolando os delegados do conselho do OP. Estamos falando a verdade. Ao longo dos anos, as pessoas foram enroladas, foram tiradas de casa para ir votar em algo que todos sabiam que não iria acontecer.
O senhor se refere às demandas não executadas? Qual o valor delas?
São R$ 1,5 bilhão em demandas não atendidas. São 2,5 mil demandas não executadas.
Pelo que foi anunciado, as reuniões com conselheiros e delegados serão mantidas, mas as assembleias...
(Interrompendo) As reuniões serão mantidas, mas não vamos cadastrar novas demandas porque a verdade e a realidade é o seguinte: neste ano e no ano que vem, provavelmente, não teremos recurso para pagar despesas que foram feitas em governos anteriores.
As assembleias ocorrerão?
Depende do que tu estás falando de assembleias.
Das assembleias que contam com a participação popular, não das reuniões apenas de representantes do OP.
Podem acontecer, é até saudável que aconteçam, mas para discutir o orçamento como um todo. Para que os porto-alegrenses possam entender onde estão os R$ 6 bilhões de orçamento e onde está faltado recurso, e por que está faltando, para que realmente se possa discutir o dinheiro público da cidade. Onde ele foi comprometido. Não tem problema em acontecer. O que não podemos fazer é mentir, como se tem mentido ao longo dos anos, de que aquelas pessoas que saírem de casa e votarem vão ter aquela demanda de investimento atendida. Porque isso não acontece há anos. Isso é um fato, não é posição política, partidária, ideológica. A gente precisa falar a verdade para as pessoas. Não teve dinheiro nos últimos anos, e não vai ter esse ano.
O valor de R$ 1,5 bilhão em demandas represadas vem se acumulando desde quando?
O maior passivo acumulado é dos últimos 12 anos, mas há demandas até de 1992.
Uma vez reorganizadas as finanças da cidade, em quanto tempo as demandas reprimidas do OP poderiam ser atendidas?
A demanda reprimida terá de ser reanalisada. Uma demanda que está há 25 anos sem ser resolvida talvez até já tenha se resolvido e não seja mais uma demanda.
O senhor garante que o Orçamento Participativo será mantido?
A estrutura de diálogo com as pessoas, sim. A estrutura de debate do orçamento será ampliada. Mas não vai haver a possibilidade de executar as obras este ano. O OP não vai acabar. Só estou falando a verdade que não foi falada nos últimos anos. O fato é que não teve recursos para as obras nos últimos anos.
Como o debate será ampliado?
Como já fizemos no conselho do OP, que foi mostrar, durante uma hora e meia, o fluxo de caixa da prefeitura. Como foi o orçamento do ano passado, como é o orçamento deste ano. Por que falta, onde falta (recurso).
Essas reuniões de discussão do orçamento são abertas à população?
Sim, isso é aberto.
Quando houver recurso disponível novamente, a prefeitura de Porto Alegre voltará a coletar demandas por meio das assembleias?
Sim. O Orçamento Participativo é isso. Talvez a gente qualifique a demanda, talvez amplie a participação. Talvez trabalhe mais no planejamento da região. Talvez as demandas prioritárias daqui a um, dois anos sejam demandas padrões da prefeitura e nem precisem mais entrar no Orçamento Participativo, e o OP possa discutir questões mais estruturantes da cidade. Vai ser uma grande oportunidade de conversar sobre o OP.
Que mudanças podem ocorrer?
A primeira mudança é colocar o dinheiro na base. É reorganizar as finanças da prefeitura. Esse é o primeiro passo para tudo.
O que é colocar o dinheiro na base?
É colocar o dinheiro na vida real das pessoas. Hoje, temos receita de R$ 6 bilhões, mas que fica no meio. Não chega no fim. Não chega na vida real, na saúde, na infraestrutura.
Se a prefeitura está deixando de coletar demandas do OP porque falta dinheiro, como o senhor pretende investir na base? De onde deve vir esse dinheiro?
As tuas perguntas estão meio desconexas, entendeu? A prefeitura de Porto Alegre não paga o orçamento há muitos anos. Estamos dizendo a verdade, não estamos enrolando para chegar no final do ano e dizer que não tem dinheiro. Estamos dizendo a verdade. As finanças estão abaladas, temos de reorganizar. Não é o que tu faz na tua casa? Não entendo a tua dificuldade de entender isso.
O senhor poderia dar alguns exemplos de investimentos que serão feitos na base?
As demandas do OP são bons exemplos. Creches, educação infantil, segurança. Na própria infraestrutura, temos várias obras paradas.