A dura experiência de buscar atendimento para um filho adolescente usuário de drogas em si já significa uma carga de sofrimento que mãe alguma jamais imaginou enfrentar. Agora, some a isto a impotência diante da morosidade do sistema público de saúde, que retarda o encaminhamento de meninos e meninas para leitos em clínicas de desintoxicação em Porto Alegre. O motivo é expressiva redução do número de leitos pelo Sus na Capital.
– Não é exagero. É uma situação desesperadora. É bem sacrificante – relata a mãe de uma paciente de 16 anos, que já passou por quatro internações na Capital.
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Até 2015, a rede de saúde mental em Porto Alegre contava com três hospitais e duas clínicas que ofereciam atendimento pelo Sus, totalizando 69 leitos para adolescentes de 12 a 18 anos incompletos. Desde o ano passado, apenas um hospital e uma clínica prestam serviço.
Hoje, conforme a Defensoria Pública do Estado, há apenas 20 leitos (para ambos os sexos) e oito exclusivamente para meninas – uma queda de 59% no número total de leitos. A quantidade é insuficiente diante da estimativa da população em risco para uso de drogas entre dez e 19 anos na Capital: 12.244 crianças e adolescentes (fórmula proposta pelo documento intitulado Parâmetros Assistenciais no Sus, 2015, utilizando o IBGE 2010).
Compra de leitos
O defensor público titular da 1ª Defensoria Pública Especializada em Infância e Juventude de Porto Alegre, Tito José Rambo Osorio Torres, observa que todas as ações pedem a compra de leitos no caso da falta de leito público, mas que isso não ocorre. Em 2016, a Defensoria ingressou com 69 ações de internação compulsória (quando o pai ou responsável não consegue levar o menor para ser avaliado no posto).
– Não é uma preocupação com o adolescente em situação de risco. O momento em que ele ainda não se marginalizou é hora de trazê-lo de volta. O sistema está fazendo de conta que está atendendo – alerta o defensor.
As famílias procuram a Defensoria Pública para buscar a condução do adolescente (ele pode ir voluntária ou involuntariamente para tratamento), internação em leito público, ou a compra de leito particular.
– A precariedade começa no Postão (da Cruzeiro), que não é um lugar para o adolescente ficar dois ou três dias, dormindo no chão – afirma o defensor.
Outro complicador, na visão da Defensoria, é o tempo de internação. Na única clínica credenciada, a duração de uma internação é de 21 dias.
– Não é um antibiótico (cuja indicação é determinada por dias, e a mesma para todos os pacientes) – destaca o defensor.
Desde 2015, a Defensoria tem pedido retorno aos familiares que procuram o serviço para buscar informações sobre como estão ocorrendo os encaminhamentos para internação. Nem todos os familiares comparecem, mas é uma medida importante para a identificação das falhas no sistema. A intenção agora é buscar a nova gestão municipal para confrontar o número de leitos disponíveis para essa finalidade, o planejamento que será feito e se haverá aumento de leitos a longo prazo.
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Espera dormindo no chão
– Antes eu ia atrás dela. Eu cansei de caminhar. Mandei mensagem, mas não sei se ela visualizou. Agora, eu só espero – diz a mãe, resignada, diante da falta de notícias da filha de 16 anos pelo terceiro dia consecutivo.
A mulher de 54 anos deixou empregos formais para poder acompanhar as internações da menina – ao todo, foram quatro – e se vê numa constante corda bamba. As duas primeiras internações ocorreram por problemas psiquiátricos. Já as últimas, por consumo de drogas. A menina começou usando maconha, aos 13 anos, e depois a mãe descobriu que ela usava LSD desde os 15.
– No Postão de Cruzeiro (que tem emergência psiquiátrica), foi bem difícil. Minha filha foi exposta a uma situação bem delicada – conta a mãe sobre a espera de quase 24 horas até o encaminhamento para o leito numa clínica de desintoxicação, em outubro do ano passado.
A mãe relata que na noite de espera no Postão a adolescente teve que dormir no chão. Em três internações, ela foi encaminhada para a única clínica credenciada pelo Sus. Na última, foi para o Hospital Conceição, que só atente meninas.
– Não foi a primeira vez que ela teve que dormir no chão. De todas as internações, apenas uma vez o encaminhamento foi rápido, depois de quatro ou cinco horas – conta.
Os serviços da Defensoria Pública, do Hospital Conceição e mesmo do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS-AD) onde a menina tem consultas semanais, não são motivo de queixa para a mãe da paciente. O drama é a demora na internação. Os longos períodos fora de casa e os cogumelos que a mulher descobriu nos pertences da filha recentemente a fazem vislumbrar a necessidade de uma nova internação em breve.
Secretaria admite a redução de leitos
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre reconhece que houve a diminuição de leitos. Em 2015, havia 69 leitos para adolescentes em prestadores conveniados com o Sus em três hospitais e duas clínicas. Atualmente, há apenas 28 leitos disponíveis: 20 na Clínica Gramado e oito no Hospital Conceição. E por meio da regulação estadual são feitos encaminhamentos de alguns pacientes para leitos no Hospital Psiquiátrico São Pedro.
A SMS diz "quanto ao descredenciamento e a descontinuidade de serviços prestados por clínicas ou hospitais, que prestavam serviços ao município, não podemos fornecer informações pelo assunto estar sendo tratado em outras esferas do poder público".
A assessoria de comunicação da secretaria informa que está buscando ampliar os leitos para atendimento em saúde mental nos hospitais próprios da prefeitura ou em hospitais que já prestam serviço à prefeitura, reduzindo ao máximo a internação em clínicas psiquiátricas. Sem fornecer números ou prazos, a SMS garante que "a curto prazo está aumentando a disponibilidade de leitos no hospital próprio, Hospital Materno Infantil Presidente Vargas e em tratativas para contratar mais leitos nos que já prestam serviços a prefeitura".
A secretaria informou que a média entre a solicitação e autorização de internação, na faixa de 12 a 17 anos está em 17 horas. A regulação hospitalar autorizou 446 internações em 2016. A média de internação está em 21 dias – a SMS segue o que preconiza o Ministério da Saúde, para evitar o efeito de manicomização, mas diz que a alta ocorre conforme critérios médicos e pode passar de 21 dias, se assim for considerado pelo médico. A vulnerabilidade social é apontada como a principal razão das reinternações.
Em relação à rede de atendimento pós-alta, a SMS está estruturada com a rede da Atenção Primária à Saúde (unidades de saúde), as Equipes Especializadas de Saúde da Criança e Adolescente e os CAPSi (Centro de Atenção Psicossocial).