Uma decisão de última hora foi a responsável pela manifestação de rodoviários que paralisou a região central de Porto Alegre na manhã desta quarta-feira, causando lentidão no trânsito e transtornos a passageiros de ônibus. O Sindicato dos Rodoviários optou por realizar a operação tartaruga no dia em que teria de ser definido o dissídio da categoria após uma reunião com o prefeito Nelson Marchezan na terça-feira.
Os representantes dos trabalhadores buscavam apoio do prefeito para as tratativas salariais. A conversa, no entanto, tomou outro rumo quando o chefe do Executivo recusou-se a interferir na conversa entre o sindicato e a Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP). Os rodoviários, então, colocaram em pauta a polêmica declaração de Marchezan sobre o fim dos cobradores nos ônibus com a implantação do pagamento apenas eletrônico. Eles queriam garantias de que serão mantidas duas pessoas trabalhando nos veículos quando a função for extinta – ainda não há previsão para que isso ocorra. Mas o prefeito manteve a questão em aberto, e os rodoviários resolveram deixar a reunião e mudar o tom da mobilização.
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– Tivemos a reunião por dois pontos. O primeiro era o nosso dissídio. O segundo, a demissão de 3,6 mil cobradores, pais de família, 70% na fase de se aposentar. Como vai desempregar as pessoas? Não aceitamos – disse o presidente do sindicato, Adair da Silva. – Saímos da prefeitura e, na mesma hora, liguei para sindicatos que nos ajudam. Se nesta semana a patronal não nos chamar para conversar, na outra semana a gente vai fazer um movimento grande – acrescentou.
Marchezan, que recebeu integrantes da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) e da ATP no fim da tarde de quarta, não vê relação entre as declarações dadas aos rodoviários e a operação tartaruga.
– Não acho que a pergunta tenha alguma relação com a realidade. A demissão de qualquer tipo de funcionário não está em pauta. Eu não demito ninguém, não tenho funcionários nas empresas. Fui sincero com eles: não sou eu que negocio. Não vou entrar nesse jogo de discutir em gabinete com as empresas – disse o prefeito, antes da conversa com a ATP.
Nos últimos anos, a discussão do dissídio da categoria tem sido marcada por debates paralelos ao salário em si: em 2015, o plano de saúde dos motoristas e cobradores dominou a pauta; no ano passado, a insegurança foi argumento para intensificar a mobilização. Para a oposição à atual gestão do Sindicato dos Rodoviários, as questões que fogem ao dissídio são usadas como "cortina de fumaça".
– O trabalhador não está sendo defendido em momento algum. Estão sendo defendidos os interesses dos grandes. Todo ano é assim: eles querem usar como moeda de barganha a indignação de quem precisa usar o ônibus para negociar com as empresas – relata Alceu Weber, uma das lideranças de oposição ao sindicato.
Alceu Machado, assessor jurídico do Sindicato das Empresas de Ônibus de Porto Alegre (Seopa), vê que a principal motivação não dizia respeito ao reajuste.
– Atribuo 90% da movimentação à questão dos cobradores. Foi o que visualizei, ao percorrer o corredor da Osvaldo Aranha, que é meu trajeto. Vi que as faixas eram alusivas aos cobradores. Subjacente, está a questão da negociação – salientou, afirmando que a proposta da patronal é reajustar os salários pela inflação.
Conforme Marchezan, EPTC, empresários e sindicato têm discutido "quase diariamente" o dissídio em busca de uma solução. O prefeito afirma que o objetivo da administração pública é tornar a negociação mais "transparente" para extinguir a desconfiança da população sobre o cálculo da passagem. Para contribuir, a prefeitura deve divulgar, nesta semana, a planilha de cálculo utilizada para chegar ao valor que é repassado aos passageiros.