Uma força-tarefa que contou com a participação de ao menos dois órgãos municipais – Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) e Guarda Municipal – retirou os moradores de rua que residem embaixo do Viaduto Otávio Rocha e limpou o entorno da estrutura, segundo o guarda municipal Jairo Bezerra, 62 anos.
A ação aconteceu neste sábado, um dia após a publicação da matéria sobre o Viaduto da Borges no site de Zero Hora e um dia antes de um evento programado para celebrar os 84 anos do viaduto. A reportagem mostrou o abandono e o descaso com o local, um dos principais pontos turísticos do centro de Porto Alegre.
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No fim da tarde de sábado, Bezerra e mais um colega participavam de uma patrulha na área, que segundo ele, visava garantir que a população que utiliza o viaduto como moradia não retornasse ao local. O guarda não soube informar para onde os moradores foram levados.
– A orientação do comando da Guarda Municipal é de que todos os moradores que costumam ficar aqui sejam retirados do local. Estamos fazendo um patrulhamento. À noite, uma equipe do DMLU vai vir até o local para realizar uma nova limpeza e pintar o viaduto – explicou o guarda.
Neste domingo, a Associação Representativa e Cultural dos Comerciantes do Viaduto Otávio Rocha (ARCCOV) realizará um evento em comemoração ao aniversário do viaduto. Segundo a página oficial da associação no Facebook, a ação é uma comemoração aos 84 anos do Viaduto. Essa festa seria um dos motivos da ação do DMLU e da Guarda Municipal, segundo a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc). A Fasc, por meio da assessoria de imprensa, alegou que não participou da ação deste sábado e que somente faz abordagens durante a semana no local.
Uma das fundadoras do Banho Solidário, entidade que se mobilizou via crowdfunding para oferecer ducha quente às pessoas que estão nas ruas, Letícia Andrade afirmou que essa ação da prefeitura não surte efeito, pois apenas realoca os moradores de rua em outro ponto da cidade:
– Isso é tapar o sol com a peneira. Depois dessa ação, para onde eles (moradores de rua) vão? Não tem vagas suficientes para eles em albergues. Tem mais moradores de rua do que vagas em albergue – explicou Letícia.
Ainda segundo Letícia, projetos como o Banho Solidário ajudam na ressocialização dos moradores de rua, porque deixam eles mais calmos e menos fustrados e agressivos. A fundadora da entidade disse que nunca tinha enfrentado uma situação como essa desde a fundação do Banho Solidário. Segundo Letícia, neste domingo, o grupo vai realizar uma ação e vai tentar conversar com os moradores que ficam embaixo do viaduto.
– Os moradores não vão desaparecer com essa medida da prefeitura. Se antes eles atrapalhavam o pessoal da Borges, agora, eles vão atrapalhar outras pessoas em outro lugar após essa ação. Apenas uma união do poder público com o poder privado para ressocializar essas pessoas vai ajudá-las a sair dessa situação.
O vendedor Antonio Neto, 52 anos, que trabalha em uma loja que vende discos de vinil embaixo do viaduto, disse que, por volta das 14h, guardas municipais e trabalhadores do DMLU participaram da remoção do pessoal e limpeza do local.
– Veio um caminhão que levou tudo: sujeira e alguns objetos do pessoal que fica ali. Mas eles estão tudo ali em cima, daqui a pouco voltam a ficar embaixo do viaduto – disse.
ZH percorreu toda a extensão do viaduto no final da tarde de sábado e encontrou apenas um morador de rua no local. Ele e seu cachorro eram o contraste do resto do túnel que se forma embaixo da estrutura, que naquele momento, se encontrava vazia com apenas alguns pedestres se deslocando no Centro. O som dos carros que passavam pela via ecoavam através das galerias.
O taxista Luciano Almeida Bienert, 45 anos – 25 de táxi e seis no ponto da Borges de Medeiros – também visualizou a retirada dos moradores de rua:
– O ideal seria garantir um lugar para eles morarem, mas do jeito que tá não dá para ficar. Eles ficam pra lá e pra cá, consomem drogas e praticam assaltos, depois das 18h, o movimento cai bastante aqui no ponto, porque as pessoas tem medo de passar por aqui – explicou Bienert.
Outros moradores de rua foram vistos desorientados e andando no entorno do viaduto por volta das 18h30min deste sábado. A maioria ficava dando voltas na quadra. Pareciam não saber para onde ir.
O técnico em segurança do trabalho Luciano Dotti, 43 anos, é morador de um apartamento na Avenida Borges de Medeiros e afirmou que a presença dos moradores acaba mudando sua rotina:
– Eles ocupam muito espaço, não tem nenhuma higiene, ficam muito tempo e acaba gerando assaltos, porque ex-presidiários acabam se infiltrando nos moradores de rua – afirmou Dotti que completou dizendo que um acompanhamento da prefeitura e a construção de albergues poderiam auxiliar os moradores de rua da região:
– Tem que ter um grupo de conscientização par que eles frequentem os albergues. A prefeitura tem que encontrar uma maneira de disponibilizar mais albergues.
O que diz a Fasc:
Na tarde deste sábado, a Fasc entrou em contato com a redação e divulgou uma nota a respeito da matéria publicada por ZH neste fim de semana. Segundo o presidente da Fundação, Marcelo Soares, "ao contrário do que foi publicado, a FASC afirma possuir uma política pioneira e modelo em relação às pessoas em situação de rua. A exemplo disso, temos o Ação Rua que aplica todas as técnica e procedimentos adequados à política de atendimento a essa parcela da sociedade.
Com relação a ação realizada na tarde do sábado, junto à população em situação de rua, cabe relatar que a Política de Assistência Social trabalha com o estabelecimento de vínculos com as pessoas em situação de rua e não participa de nenhuma ação de retirada dessas pessoas, como forma de higienização. Assim que a Fasc foi comunicada do evento pelo aniversário do Viaduto Otávio Rocha, as ações das equipes de abordagem foram intensificadas durante a semana, na busca da sensibilização para que as pessoas viessem a acessar os serviços da assistência social."
Leia a reportagem especial do caderno DOC clicando aqui ou na imagem abaixo:
*Zero Hora