Depois de ter desistido de antecipar a cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), o prefeito José Fortunati voltou atrás. Para conseguir quitar o 13º salário dos servidores e sanar parte da dívida com fornecedores, que já chega a R$ 150 milhões, ele anunciou nesta terça-feira a decisão de oferecer desconto de 12% para quem pagar o tributo até 2 de janeiro. A antecipação havia sido descartada a pedido do prefeito eleito, Nelson Marchezan.
Com a operação, a prefeitura estima arrecadar cerca de R$ 330 milhões até o início de 2017, sendo R$ 190 milhões ainda em 2016. Caso a projeção se confirme, R$ 147 milhões serão usados para cobrir a gratificação natalina dos funcionários. O restante poderá servir para completar a folha de dezembro ou honrar parte das contas em atraso, envolvendo, por exemplo, fornecedores de materiais de construção e de escritório.
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A antecipação vinha sendo planejada desde outubro pelo atual prefeito, para fazer frente à queda nas transferências do Estado e da União. As perdas chegaram a R$ 100 milhões entre janeiro e novembro, em comparação com o mesmo período de 2015. Mesmo impondo freio a despesas, a administração foi engolida pela crise.
– Já prevíamos que seria um ano difícil. Nunca escondemos isso de ninguém. Mas não esperávamos que a crise fosse tão grave e prolongada – diz o secretário municipal da Fazenda, Eroni Numer.
Os planos de Fortunati em relação ao IPTU só mudaram depois de um pedido pessoal de Marchezan, em novembro. Na avaliação do deputado federal, a antecipação significaria usar receita da próxima gestão para pagar compromissos do atual exercício, ferindo a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Fortunati atendeu ao pedido. Dias depois, sem alternativas, apresentou projeto de lei prevendo o parcelamento do 13º do funcionalismo a partir de maio de 2017. A medida desencadeou onda de protestos entre os servidores, e o próprio Marchezan orientou os vereadores a votarem contra.
Na última segunda-feira, ao ser informado de que a Câmara Municipal rejeitaria a proposta, Fortunati decidiu consultar o Tribunal de Contas do Estado (TCE) sobre o caso. Obteve a sinalização de que não seria penalizado caso levasse a cabo a antecipação – a prática é adotada há mais de duas décadas em Porto Alegre e, até hoje, nenhum gestor foi punido por isso. Nesta terça-feira, ao confirmar a reviravolta, Fortunati pediu apoio aos porto-alegrenses:
– Apelo para que os contribuintes paguem o IPTU para ajudar o município. Ajudará seus servidores e fará com que tenhamos o pagamento total do salário do mês de dezembro.
Sem antecipar imposto, faltariam R$ 350 milhões
Sem o aporte extra, o rombo no caixa poderia chegar, segundo cálculos da Fazenda, a R$ 350 milhões no fim deste ano. A gravidade da crise já havia levado Marchezan, no início de dezembro, a classificar a situação da prefeitura como "proporcionalmente pior do que a do Estado". Numer discorda.
– O déficit do Estado é estrutural. No caso do município, o problema é circunstancial, decorrente da crise. A tendência, aos poucos, é a economia melhorar e as coisas voltarem à normalidade – afirma o secretário.
Apesar disso, dificilmente o ingresso de valores do IPTU será suficiente para zerar todas as pendências. Marchezan herdará parte do passivo com fornecedores, e o futuro secretário da Fazenda, Leonardo Busatto, prevê "medidas duras" em 2017. O corte de 14 secretarias, anunciado na última sexta-feira, é elogiado por especialistas em finanças públicas como Darcy Carvalho dos Santos, mas não será suficiente.
– Marchezan vai assumir com os cofres raspados, 11 meses de receitas, já que o IPTU será antecipado, e 12 meses de despesas. Não vai ser fácil – resume Santos.