O Parque Farroupilha provou, mais uma vez, a vocação democrática que o faz uma das referências da cidade. Sob o sol deste domingo, a Redenção recebeu a 20ª edição da Parada Livre de Porto Alegre e a 9ª Marcha Lésbica.
O evento, que mistura ato político e diversão, começou no início da tarde e se estendeu até a noite. Teve discursos em defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBTs), apresentações de música e dança, além de uma caminhada. "Rompendo normas, conquistando territórios" foi o slogan desta edição.
De cima do palco, as drag queens Charlene Voluntaire e Cassandra Calabouço, com a cantora trans Valéria Houston, comandaram as atrações. No chão, misturavam-se pessoas de diversas orientações sexuais e identidades de gênero (a primeira expressão diz respeito à atração sexual e afetiva, enquanto a segunda tem relação com o gênero ao qual a pessoa se vê pertencente).
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– É superimportante ter pelo menos uma data do ano em que a gente possa sair às ruas sem medo da violência gerada pelo preconceito. Este é um momento de inclusão – afirma a estudante de Publicidade e Propaganda Juliana Moura, que frequenta a parada há uma década e, neste ano, estava ao lado da namorada.
A violência, ressalta a defensora pública Mariana Py Muniz Cappellari, é um dos grandes temas a serem enfrentados pela população LGBT.
– Ela vem da intolerância de conviver com a diversidade – diz a coordenadora do Centro de Referência em Direitos Humanos e dirigente do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública, que acredita na necessidade de uma legislação específica para tratar do tema, assim como foi feito com as mulheres por meio da Lei Maria da Penha.
Há pessoas como Juliana, que vão à Parada há muitos anos, e outras que fazem sua estreia. É o caso do cabeleireiro Eraldo Souza, 31 anos, que só tinha frequentado as edições de Pelotas e Rio Grande:
– Está se chamando atenção para a luta por direitos de uma população que não é tão minoritária assim.
Tem gente que não é militante nem integrante da população LGBT e foi à Redenção apoiar. Magda Ceron, 59 anos, levou cadeiras de praia e buscou uma sombra para curtir o evento ao lado do marido.
– Não venho todos os anos, mas como cidadã porto-alegrense apoio e vejo com naturalidade o ato – conta a aposentada.
Dentro da população LGBT, as pessoas transexuais e as travestis são as que mais sofrem violência. Conforme o Grupo Gay da Bahia (GGB), que monitora as mortes no país, o risco de uma trans ser assassinada é 14 vezes maior do que o de um gay. O GGB chama atenção, também, para o fato de mais da metade dos homicídios contra transexuais do mundo ocorrerem no Brasil.
– A nossa luta é todo dia, é isso que tentamos passar para o povo. Queremos respeito, e ainda há muito preconceito – salienta Jakeline Sandri, 19 anos, que é mulher transexual.
Uma das evidências do caráter festivo que a Parada tem são as drag queens, que circulam pelo parque com as roupas extravagantes, a maquiagem forte e os saltos altos.
– Hoje é um dia de todos botarem para fora o que ficaram segurando durante o ano inteiro. Andar de mãos dadas, passar um brilho, ser quem é – diz a drag queen Corona King, 23 anos.
Evento teve início em 1997
A primeira Parada Livre de Porto Alegre pouco lembra o evento que hoje conta com shows e junta milhares de pessoas. A caminhada de junho de 1997 foi uma marcha tímida puxada pela ONG Nuances: pouco mais de uma centena de militantes carregando bandeiras e faixas com a ideia de romper a invisibilidade e enfrentar o preconceito.
A década de 1990 teve a marca da disseminação do vírus HIV, o que influenciou na estigmatização da população LGBT. Assim como o cenário nacional avançou na conquista de direitos – um exemplo é o reconhecimento da união de pessoas do mesmo sexo pelo Supremo Tribunal Federal em 2011 –, a Parada Livre cresceu. Atualmente, uma dezena de coletivos, como ONGs, movimentos estudantis e feministas e um grupo de mães, participam da organização.
O tom também está mais político: além da busca por visibilidade, constitui-se em um ato de ocupação do espaço público por quem tem sua sexualidade relacionada a ambientes de marginalização. O evento joga luzes sobre a luta de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.