No meio da madrugada, quando ninguém passava pelo cruzamento entre duas avenidas movimentadas em Fukuoka, no Japão, o asfalto cedeu. Toneladas de areia, asfalto e cimento foram abaixo, formando uma cratera de 300 metros quadrados, com 30 metros de largura e 15 metros de profundidade na terça-feira, dia 8 de novembro. Quatro dias depois, o buraco estava fechado – sendo que a obra para cobri-lo durou apenas 48 horas. Em uma semana, veículos já podiam voltar a trafegar no local.
Como é que os japoneses conseguiram? Enquanto, por lá, uma reforma emergencial toma forma em dois dias, a prefeitura de Porto Alegre está ainda sem entregar obras essenciais iniciadas há quatro anos e prometidas para a Copa do Mundo de 2014. E as cidades nem são tão diferentes: em Fukuoka, há 1,55 milhão de habitantes, contra 1,48 milhão na capital gaúcha.
– O diferencial está no gerenciamento. Quanto ao fazer, do ponto de vista de engenharia, não há nenhuma dificuldade. Se nós tivéssemos uma gestão eficiente, com certeza resolveríamos isso em cinco, seis dias também – estima o engenheiro civil Melvis Barrios Junior, presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio Grande do Sul (Crea-RS).
Quando fala em gerenciamento, o engenheiro se refere a tudo o que está envolvido nos trabalhos antes da execução: planejamento, controle de custos, definição de responsáveis pelos reparos, deslocamento de equipes e tantas outras questões que, no caso das obras públicas brasileiras, costumam recair sobre uma prefeitura, não raro, ineficiente em lidar com as atribuições.
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Na ponta oposta, está uma administração como a de Fukuoka. Assim como o reparo levou dois dias, o planejamento também seguiu ritmo semelhante. Engenheiros estimam que, em até 48 horas, tenha sido avaliado o estrago e concluído um projeto para não apenas reerguer o cruzamento, mas consertar as tubulações de água e elétricas e reforçar a estrutura do local. Com máquinas e funcionários prontos para uma emergência e um padrão de custo de materiais pré-definido – tudo aliado à notória probidade nipônica –, teria sido possível também primeiro fazer os reparos e, depois, apresentar as contas. As pistas foram liberadas no dia 15 de novembro – sete dias depois de a cratera surgir.
Claro que tapar um buraco, por maior que seja, não tem a mesma complexidade de erguer um viaduto, abrir uma trincheira ou duplicar uma avenida – para citar três exemplos com que os porto-alegrenses têm convivido ao longo dos últimos anos. Mas a cratera coberta em questão de dias não é o único exemplo da eficiência oriental: quando o Japão foi atingido por um terremoto seguido de tsunami, em 2011, também os trabalhadores diligentemente repararam pontes e estradas, reconstruíram prédios e praças em questão de dias.
Falta de planejamento trava obras por aqui
Para especialistas, o planejamento – ou falta dele – é o grande entrave para que cidades brasileiras sigam o mesmo caminho de eficiência dos países desenvolvidos. Frequentemente, conforme engenheiros civis ouvidos pela reportagem, procura-se dar início aos trabalhos assim que há recursos aprovados e uma empresa definida para fazer a construção. O tempo dedicado à avaliação da obra e seus possíveis empecilhos, especialmente quando pública, costuma ser curto.
– Idealmente, deveríamos passar muito mais tempo planejando do que executando. Mas essa não é a nossa realidade: mal temos as coisas planejadas e logo partimos para a construção. Isso abre caminho para erros, para surpresas, que resultam em prazos maiores e mais gastos – acredita Hugo Springer Junior, professor do curso de engenharia civil na Feevale.
"Estamos em um ciclo vicioso", diz professor
As falhas de planejamento, sejamos justos, não são exclusividade daqui: a cratera japonesa provavelmente surgiu pelo mesmo motivo. Autoridades de Fukuoka acreditam que o problema tenha sido provocado pelas escavações para a ampliação de uma linha de metrô, que corriam logo abaixo do cruzamento. Mas a rapidez em resolver os estragos é rara no Brasil.
– Estamos em um ciclo vicioso, com cada elemento puxando um novo problema, quando deveríamos, na verdade, ver cada obstáculo gerando uma nova solução. Precisamos fazer alguma mudança. Mas tenho convicção de que isso não é apenas problema do Executivo, mas do conjunto (falta de mão de obra qualificada, cobrança de órgãos de fiscalização, etc.) – avalia o engenheiro civil Lélio Brito, professor na PUCRS.
No caso japonês, chama atenção, também, a forma como o prefeito se pronunciou após o ocorrido. Em nota à população, ele pediu "sinceras desculpas" pelos transtornos, prometeu "tremendos esforços" de investigação e pediu "humildemente" pela compreensão dos habitantes enquanto seguiam as obras. E ainda agradeceu, "do fundo do coração", o trabalho de cada pessoa que atuou pela reconstrução.
Obras inacabadas há anos em Porto Alegre
– Previsto inicialmente para ser concluído em abril de 2014, o corredor da Avenida Tronco enfrenta problemas com remoções de famílias e só deve terminar em dezembro de 2017.
– Obra do BRT, a pavimentação total do corredor da Avenida João Pessoa, que se estimava ver concluída em setembro de 2013, também só deve ficar pronta em dezembro de 2017.
– Há quatro anos em obras e esperada para junho de 2014, a trincheira da Avenida Ceará passou apenas neste mês dos 90% de conclusão e deverá ser liberada para trânsito em dezembro.
– Cinco anos depois de ser concluído, o Conduto Álvaro Chaves desabou parcialmente em 2013, depois de não suportar a chuva intensa que atingiu a Capital em fevereiro daquele ano.
O que pode explicar a eficiência japonesa...
* Os setores públicos estarem preparados para emergências, dispondo de pessoas e máquinas que possam ser acionados em caso de imprevisto.
* O gerenciamento de problemas, como a cratera, ser centralizado, com um só órgão reunindo todos os setores envolvidos na aprovação das obras.
* A probidade do setor público japonês pode permitir que primeiro seja a feita a obra, depois apresentadas as contas. Sem corrupção, o bom uso de recursos seria facilitado.
* Conseguir mão de obra para trabalhar dia e noite, ininterruptamente, em casos de emergência também contribui para a rápida conclusão dos trabalhos.
... e as dificuldades no Brasil
* Especialmente em obras públicas, mas também quando os recursos são privados, há muitos setores envolvidos: cada etapa exige aprovação de um órgão diferente.
* Engenheiros avaliam que há muita burocracia: qualquer pedra no caminho é um entrave que pode encarecer a obra e postergar por meses, até anos, a conclusão dela.
* Para não correr risco de sobrepreço e tentar evitar o desvio de verbas públicas, os preços de cada material precisam ser definidos antes de as obras terem início. Não há um "modelo", revisado periodicamente, que possa ser utilizado.
Obras concluídas em dias
– Uma rodovia em Naka, na província japonesa de Ibaraki, ruiu diante da força do terremoto de março de 2011. Seis dias depois, a estrada já estava reparada.
– A ponte Sanyuan foi reconstruída na China em tempo recorde: trabalhadores conseguiram concluir uma obra envolvendo 1.300 toneladas em 43 horas.