Nas últimas semanas, a imagem de Donald Trump sentado à mesa no Salão Oval da Casa Branca, despachando como presidente dos Estados Unidos, evoluiu de algo pouco provável para uma cena bem possível de se concretizar. A um mês da eleição que decidirá o sucessor de Barack Obama, o republicano aparece nas pesquisas ora à frente, ora atrás de Hillary Clinton, mas, de forma geral, empatado tecnicamente com a candidata democrata.
Especialista em história do Partido Republicano, o cientista político Danilo Petranovich, formado em Harvard e pós-doutor por Yale, acredita que Trump encontrou na classe média americana, desacreditada da política tradicional, o ninho perfeito para gestar sua candidatura. O bilionário não era o nome preferido dos caciques do partido, mas à medida que cresce nas pesquisas, já é cortejado pelos próprios correligionários que o negavam nas primárias.
Petranovich palestrou recentemente em Porto Alegre, em evento fechado a associados do Instituto de Estudos Empresariais (IEE), e conversou com ZH.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
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Para muitos americanos, o voto em Hillary significa o voto anti-Trump?
Está correto. Minha impressão é de que as pessoas que irão votar em Hillary tomaram essa decisão mais porque ela representa o voto anti-Trump do que se inspirasse os eleitores ou representasse alguma nova política. É um tipo de voto que diz: "Eu não quero essa outra coisa que está aí. Então, estou votando em Hillary". Ela inspira pouco.
Dado o conservadorismo americano, os EUA estão prontos para ter uma mulher como presidente?
Claro. Não acho que exista mais essa questão. O que as pessoas se perguntam é se essa (Hillary) é a mulher certa. Os eleitores não dizem mais: "Não vou votar nesse candidato porque é uma mulher".
Em um certo momento da disputa, chegou-se a pensar que Trump poderia desistir da eleição. Isso ainda é possível?
Ele irá até o fim. Eu ouvi, li pelos jornais que ele poderia desistir, mas não acho que isso aconteceria. Há ainda chance de ele vencer. Os sites de apostas dão 85% de chance para Hillary, contra 50% para Trump. Mas há muitos eventos imprevisíveis pela frente. Há também o fator WikiLeaks, que publicou informações sobre corrupção na Fundação Clinton, Benghazi (a morte do embaixador americano em ataque a um consulado na Líbia, quando Hillary era secretária de Estado de Obama)... Meu sentimento é de que Trump não vai deixar a disputa antes do fim. É provável que ele ganhe por uma pequena margem.
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No caso dos debates, Trump pode se sair melhor por conta de sua experiência na TV?
Hillary tem experiência política. O problema é que está ficando velha para aguentar 90 minutos (de debate). Ela parece velha e cansada. Trump é muito forte. Trump é um homem de negócios, tem experiência em reality shows de TVs. Hillary conhece a política muito bem, mas, em termos de aparência (na TV), parece mal.
A base do Partido Republicano repudiava Trump. Agora, teve de engoli-lo?
É um tema interessante e parte da minha pesquisa. Foi uma disputa interna muito concorrida, sem precedentes. Também para os democratas, não esqueça. Bernie Sanders e Hillary Clinton estiveram muito perto um do outro. Jovens para os quais lecionei estavam enlouquecidos por Sanders, preferiam ele a Hillary. Mas os mais conservadores (do Partido Democrata)... Sim, Trump é especialmente controverso na elite do partido, os guardiões, o establishment republicano, mas é extremamente popular entre os eleitores.
Quem seria o nome ideal para a base do partido?
Romney (Mitt Romney, candidato republicado que perdeu para Obama em 2012). Eles ainda gostam muito dele. Ele não teve coragem ou fez seus cálculos (e decidiu não concorrer), mas ainda é muito popular no establishment. Paul Ryan, presidente da Câmara, é jovem, 46 anos, também é popular. O senador Marco Rubio, filho de migrantes cubanos, também é um político em ascensão, lembra Obama, na convenção de 2004. Ele é muito jovem. Trump fez um bom trabalho para ele. A percepção é de que é um pequeno garoto, de que poderia ser controlado de cima para baixo, não é visto como alguém com autonomia. Ele terá outras oportunidades. É muito esperto.
Depois de 11 de setembro de 2001, os EUA viraram as costas para a América Latina. Para o Brasil, quem é melhor: Trump ou Hillary?
É difícil dizer porque esse não é um tema dominante (na eleição americana). Os assuntos principais são internos: a economia é o tema número 1. Trabalho, trabalho... Outros assuntos são Oriente Médio, especialmente depois do 11 de Setembro e a invasão do Iraque, a manutenção da paz. Para a América Latina, creio que os dois seriam bons. Mas Trump é mais dinâmico economicamente na relação com outras nações. Hillary também quis fazer acordos no passado. Trump é mais isolacionista, entretanto é um empresário, provavelmente teria mais conexões aqui. Hillary não tem grande experiência econômica.
Qual o legado de Obama na sua opinião?
Obama veio em 2008 com sua grande promessa, boa aparência, o primeiro afro-americano na presidência, (dando a ideia de que) iria reformar tudo. A crise econômica foi seu grande desafio, parou ou freou sua agenda porque as pessoas ficaram assustadas. Os americanos têm tido uma boa recuperação, alguns segmentos da classe média, mas não todos. O legado de Obama foi muito impactado por isso. Entretanto, ele fez os EUA recuarem nas guerras impopulares do Oriente Médio. Acho que os americanos perceberam que os experimentos de George W. Bush não funcionaram. Então, seu legado é como um bom embaixador. Quase todos gostam de Obama internacionalmente, não sei qual sua percepção no Brasil, mas é muito difícil imaginar que alguém não goste dele.
Qual o peso do medo do terrorismo na eleição?
prestam atenção na "American Homeland" (o lar americano), como dizemos, uma nova palavra do dicionário americano desde 11 de Setembro. Os ataques em San Bernardino, meses atrás, mudaram a percepção dos americanos sobre o Estado Islâmico ou o terrorismo islâmico. As pessoas levaram um susto. E isso beneficia Trump mais do que a Hillary, porque as pessoas a associam à (queda) de Kadafi (Muamar Kadafi, ex-ditador líbio) e às guerras na Líbia e no Iraque. Interessante que os ataques terroristas beneficiam Trump como um candidato outsider.
Trump seria mesmo capaz de construir um muro entre os EUA e o México ou essas são bravatas eleitoreiras?
De fato, não sei. O que sei é que o assunto que mais divide os políticos americanos nos últimos 30 anos é a fronteira ou o muro, trata-se de uma divisão entre a elite americana e as classes mais populares. Nos últimos 30 anos, a maioria dos americanos quer que seja suspensa completamente a imigração. A classe política mais cosmopolita ou com interesses econômicos quer continuidade e até o aumento da imigração legal. A solução prática de Trump para o assunto é um dos motivos de sua popularidade. Porque, antes, democratas e republicanos não falavam sobre esse assunto.
Nos últimos meses, Trump tem adotado posições mais ao centro para conquistar o voto menos conservador?
Ele está tentando, dizem que está suavizando seu discurso sobre imigração para atrair o voto de eleitores indecisos, do interior de Ohio, do meio da Flórida, da Filadélfia. Em geral, as cidades votam nos democratas, o interior vota nos republicanos, e os subúrbios, ninguém sabe.
Trump muitas vezes parece um personagem de si mesmo, os próprios republicanos não acham suas declarações às vezes ridículas?
Se voltarmos às primárias, a maioria dos americanos estava cansada de políticos tradicionais. Todo mundo conhece Trump, não apenas como empresário, mas também como um ícone. Ele tem orgulho de ser nova-iorquino, é um típico empresário americano. Usa uma linguagem muito comum, algumas vezes ofendendo pessoas diretamente, como fez com Marco Rubio, chamando-o de "Little Marco" (pequeno Marco), ou Jeb Bush, dizendo que ele tem pouca energia, ou chamando Ted Cruz de mentiroso. Trump quebrou muitas das regras da política. Por causa do momento difícil, a classe média tem sofrido muito nos últimos 30 anos, as pessoas estão ouvindo (seu discurso), e o veem como um ar renovador (da política) até mesmo quando é agressivo.