Para mim, que farei 50 brevemente, 20 anos é um bom pedaço de tempo. Não deveria ser, pois sou historiador de antiguidades e trabalho na escala de centenas e milhares de anos, mas neste caso a testemunha é o corpo de um cidadão dentro de uma nação em transformação. Posto em perspectiva, vemos o tempo acelerando neste período: da internet incipiente à rede absoluta, de uma sociedade marcada por preconceitos a um mundo de maior tolerância (embora ainda crítico), e, sobretudo, da mudança substantiva das condições socioeconômicas brasileiras, que pode ser resumida em dois fatores: aumento vertiginoso do PIB, de US$ 543 bilhões em 1994 para US$ 2,345 trilhões em 2014, com reflexos no PIB per capita, que oscila, no período, de US$ 3.426 para US$ 11.208. A consequência foi a ascensão das classes C, B e A, e o recuo estratigráfico das classes D e E. Estes dados, do Bacen, evidenciam um ciclo econômico virtuoso, com crescimento consistente e redução da miséria. Realizou-se, neste período, um potencial reprimido por anos, e demonstrou-se a possibilidade de construirmos um futuro de maior prosperidade.
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Esses números contrariam o catastrofismo de antipetistas, que declaram terra arrasada como resultado dessas décadas, e comemoram a deposição da presidente Dilma como condição para a retomada do crescimento. Efetivamente, o Brasil passa, desde 2014, por uma séria crise, com recuo dos índices de desempenho, o que pode induzir a esta percepção. Postos em perspectiva, todavia, os números desmentem este quadro ideológico, e trazem referências para pensarmos os próximos 20 anos, neste cenário em que o palácio do Planalto avança pretendendo conter o desenvolvimento social do Brasil. O destino ora desenhado nos leva para o que o Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, chama de "suicídio econômico".
Cálculo muito simples. Se o PIB cresceu 331,9% nesse período, não podemos deduzir que cresceu igualmente a massa fiscal, ou seja, os impostos arrecadados? Diante disso, condicionar a realização orçamentária à mera correção da inflação significa desdém pelo potencial de crescimento e pela realidade da gestão orçamentária, em que importam a administração dos passivos e a relação entre receita e despesa, e estas variam em dimensões diversas da correção inflacionária. Reger previsão orçamentária unicamente pela reposição de inflação é erro elementar e ataque mórbido ao futuro da nação.
Erro não menos grave é supor que os padrões atuais de investimentos sociais são suficientes, quando de fato não o são. Ainda precisamos realizar a mãe de todas as reformas, dando qualidade ao ensino público, e isto demanda orçamento. Ademais, estima-se que em 2036 aqui viverão 240 milhões de brasileiros – 38 milhões a mais do que hoje, e ônus maior para saúde e educação. Ao subordinar-se o crescimento demográfico ao parâmetro ora pretendido, será reduzido investimento que precisa ainda crescer muito no Brasil. Há alternativas para o saneamento, e precisamos priorizá-las antes de jogarmos no lixo o futuro de uma nação.
Diante desse quadro em que veneno é imposto como remédio, boa parte da população brasileira hoje se revolta contra a PEC 241, especialmente os estudantes, que serão, com os idosos, as principais vítimas deste atentado histórico. Muitos jovens estão conscientes e possuem presença cívica; não merecem, jamais, ser premiados com a barbárie de cassetetes e bombas, ou com a ignorância de maus patriotas que cooperam com a imposição deste erro, petrificado em norma constitucional. Adolescentes e gente com 20 e poucos anos são agora a nossa reserva de esperança para evitarmos que esta catástrofe se imponha. E se perdermos, que diremos a eles depois de 20 anos perdidos? Que fiquem felizes, pois 11 grandes bancos foram salvos?
* Francisco Marshall escreve mensalmente no Caderno DOC.