*Luís Augusto Fischer
Professor de literatura e escritor, autor de Inteligência com dor (2009)
Mais de 50 anos de textos para jornais e revistas, mais de 40 anos de livros publicados, há décadas entre os escritores mais lidos e queridos do país, sem jamais abandonar posição nítida no campo da esquerda reformista. Milhares de páginas escritas para bem-sucedidos programas de humor de televisão, centenas de sensíveis comentários sobre cultura exigente (livros, filmes, peças, espetáculos, shows), muitos relatos de viagem ao redor do planeta.
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Conferencista relutante, entrevistado lacônico; parceiro musical competente no campo do jazz, amigo certo e solidário com jovens escritores; sutil observador do futebol e torcedor confirmado do Internacional; filho que honrou a memória de seu pai, escritor maiúsculo, não apenas por ser também escritor, mas por zelar pela permanência de sua obra; dono de pose artística igual a zero, acessível e gentil sem abrir mão de sua modéstia e sua timidez (atenção, não são a mesma coisa); inventor de umas quantas figuras imorredouras, como o Analista de Bagé e a Velhinha de Taubaté.
Luis Fernando Verissimo, como se constata rapidamente, é um caso raro em seu metiê, pela soma de suas virtudes, que ficam melhores ainda com a enumeração de suas idiossincrasias. Os milhões de exemplares de seus livros, quanto prazer intelectual têm causado a leitores tão variados, dos mais maduros aos mais jovens, de intelectuais sofisticados a simples alunos de 7º ano? De quantos outros escritores poderemos dizer o mesmo, em qualquer tempo e – o que é mais notável ainda – em qualquer língua?
No nobre formato do romance, que consagrou seu pai, Luis Fernando ainda agora não tem lugar nítido, mas não duvido que Borges e os orangotangos eternos venha a figurar como um clássico, quando menos no gênero policial, ou na categoria ironia culta; quanto aos formatos curtos, porém, é certo que já tem lugar central numa tradição fortíssima entre nós, com Rubem Braga e Nelson Rodrigues, Antônio Maria e Millôr Fernandes, Aldir Blanc e Ivan Lessa. E nem falamos de sua poesia ou suas tiras, que nada devem ao melhor nível, na língua portuguesa, e que, como em tudo o mais, teriam feito carreira de sucesso em língua inglesa, que é também sua, de coração.
Nas últimas décadas, houve um prazer secreto para qualquer gaúcho, letrado exigente ou cidadão de pouca leitura, bancário em férias ou professor universitário laureado: era saber-se, sem alarde nem bravata, conterrâneo de Luis Fernando Verissimo. Eu experimentei várias vezes a condição de estar além das fronteiras estaduais e ouvir falarem bem dele – e vibrar internamente como se tivessem elogiado um vizinho querido, um tio, um irmão.
Como tantos, sou seu feliz leitor há décadas. Estava ainda no colégio quando saiu O popular (1973), o primeiro livro – que até hoje me parece uma síntese de seu ponto de vista, aquele que constata que o verdadeiro popular não é o cara dando entrevista, mas o que está observando, lá no fundo da cena ou atrás das câmeras, desconfiado, o outro falar. Já trabalhava como professor quando estourou seu O Analista de Bagé (1981), que dava gosto de ler para rir e rir de novo, entrevendo nele um tanto de autoironia gaúcha. Vendo televisão ao lado de milhões de brasileiros, eu ri de seus quadros humorísticos para Jô Soares. Torci por ele ao acompanhar seu duro enfrentamento com um Fernando Henrique que mais e mais decepcionava, assim como ri de suas ironias a um Lula que mereceu cartas de Dora Avante (mas Verissimo, como este seu leitor, manteve sempre acesa a esperança de melhor distribuição de renda, mais justiça social, menos preconceito, crescente igualdade de oportunidades), tudo isso em tempo real, no jornal nosso de cada dia.
Nas quatro visitas que fez ao nosso Sarau Elétrico, deu-nos a honra de ler textos seus ao vivo (algumas vezes só quis ler sua poesia), mas é raro a gente passar um mês sem ler coisas dele, que funcionam na leitura em voz alta tanto quanto na silenciosa. Tese geral: ele foi dos caras que mais contribuiu, nas últimas décadas, para amanhar o terreno do português brasileiro. Ouvido sensível, mão adestrada no trabalho de jornal e na publicidade, Luis Fernando melhorou nossa relação com a língua.
Me ocorre mais um elogio, de uma coleção que nem sei onde termina: Luis Fernando Verissimo fez do mundo todo – Paris, Nova York, Barcelona, mas também cidades remotas do Brasil – a sua casa, sem abrir mão de ser porto-alegrense. Como seu também famoso pai, recusou aquele verdadeiro provincianismo que julga ser necessário viver no centro do país para ser tido como um dos grandes. Nos ajuda, também nisso, a ser melhores.