Mais de três meses depois de os consumidores de Porto Alegre identificarem alterações no cheiro e no sabor da água tratada, a principal suspeita por relação com o problema está impedida de retomar as atividades na zona norte da Capital em caráter definitivo. A Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) resolveu que a planta Cettraliq, paralisada em agosto, não poderá ser reaberta.
O órgão estadual está convencido de que a companhia, que realiza o tratamento de dejetos industriais nas proximidades da ponte do Guaíba, é a responsável pelo gosto ruim e o mau cheiro presentes desde maio na água fornecida à população da cidade. A única alternativa para a Cettraliq não ser completamente extinta, informou a direção da Fepam em entrevista exclusiva a ZH, é procurando um outro local para se instalar.
– Uma posição nossa para qualquer acordo com eles só está vinculada a encerrar as atividades no curto prazo. Não tem como (a empresa continuar operando). A gente sabe que a localização ali vai sempre cheirar. Eles têm de ir para um local industrial de fato – disse o chefe do departamento de controle do órgão, Renato das Chagas e Silva.
Procurada pela reportagem de ZH, a Cettraliq não se manifestou sobre o assunto. Ao colunista Tulio Milman, um dos sócios, Wolf Gruenberg, afirmou que a empresa não havia sido comunicada oficialmente do fechamento definitivo até o meio da tarde desta sexta-feira.
– Nos fecharam depois de 21 vistorias sem ter qualquer prova concreta – disse Wolf.
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Duas semanas após suspensão de atividades, odor perto da Cettraliq ainda é forte
Segundo a Fepam, a companhia não conseguiu responder de maneira satisfatória às exigências feitas pelo órgão ambiental depois de ter as atividades suspensas por emissão de odores acima do permitido, em agosto. A Fepam solicitou à Cettraliq que tomasse medidas para mitigar o problema do mau cheiro no entorno da empresa. Agora, aguarda por um plano de realocação ou desativação da planta.
O órgão ambiental evita vincular a postura mais rígida com a Cettraliq ao problema. A Fepam admite, entretanto, que embora as análises feitas até agora não tenham indicado uma relação direta da Cettraliq com as alterações na água – o odor nas imediações do local era idêntico ao aroma de mofo experimentado no líquido que saía da torneira em diversos bairros –, o fato de a água ter voltado ao normal dias após a interrupção das atividades da empresa é suficiente para acreditar que exista uma conexão entre as duas coisas.
– Tudo indica que esse nexo é real. Por quê? Porque parou a Cettraliq, a água melhorou. Era o que a gente achava que ia acontecer. Podia não acontecer, porque o exame de laboratório não detectou – afirma a secretária do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Ana Pellini.
Empresa foi autuada pela Fepam e alvo de investigações
O encerramento das atividades da empresa que tratava resíduos industriais de cerca de 1,5 mil clientes desde o começo dos anos 2000, despejando o resultado do processo na rede pluvial, vem menos de um ano após a renovação até 2019 da licença de operação da companhia. Mas pelo menos oito anos depois de problemas recorrentes envolvendo descartes irregulares e emissão de odores cima do permitido na licença de operação.
Somente entre 2008 e 2016, a empresa foi autuada pelo menos três vezes pelo órgão ambiental e teve suas atividades investigadas pelo Ministério Público, pela Polícia Civil e pela Polícia Federal. Ainda neste ano, em julho, recebeu sanções do município por atuar sem alvará, não ter passado por Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) e utilizar um Habite-se da década de 1930, em desacordo com as atividades da empresa. No fim de agosto, a prefeitura recusou as defesas administrativas apresentadas pela companhia, e a Secretaria Municipal da Indústria, Comércio e Serviços (Smic) promoveu uma interdição cautelar por considerar que a atividade da Cettraliq oferecia risco ao ambiente e à população de Porto Alegre.
Apesar do histórico problemático da empresa, a Fepam tentou diversas negociações para que ela seguisse atuando, sob o argumento de que a atividade exercida pela companhia seria importante para garantir o funcionamento de outras, sem condições de tratar seus próprios rejeitos. No ano passado, após diversas tratativas, a Cettraliq assinou um documento junto ao Ministério Público prometendo melhorias. Em conversa de quase duas horas na sede da órgão ambiental, na quinta-feira, cinco técnicos e a titular do órgão, Ana Pellini, negaram ter havido proteção à Cettraliq ao longo dos anos.
– A licença mais recente foi pedida em 2013, mas só saiu em 2015. Nós aguardamos pelo desfecho do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC, assinado em maio do ano passado). Se não fosse isso, a empresa estaria fechada – disse.
A titular da Fepam defendeu que, no futuro, o tratamento de resíduos seja feito por centrais regionalizadas, para "evitar o transporte de carga perigosa". Atualmente, além da Cettraliq, apenas três companhias estão habilitadas para receber e tratar efluentes líquidos de outras empresas no Estado. Duas delas ficam na Serra e um no Vale do Taquari.