A falta de escritores negros na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) gerou debates entre as entidades que promovem festas literárias e os escritores negros. As explicações do curador Paulo Wernek, que ao final da Flip se comprometeu a dialogar com as entidades acadêmicas em busca de uma ampliação da diversidade, não foram suficientes para minimizar as críticas. Em junho, o Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais Negras/UFRJ escreveu uma carta aberta ao evento afirmando que as escolhas da curadoria naturalizam o racismo por não promoverem a diversidade num evento de grande visibilidade. O ator Lázaro Ramos, que participou da Flipinha, defendeu a participação de autores negros e disse que "é preciso não se calar diante da ausência de negros em todos os espaços da sociedade".
A discussão sobre a ausência de autores negros aqui no Estado foi levantada semanas atrás pelo poeta e escritor Ronald Augusto ao questionar, em seu Facebook, quantos autores negros participariam, este ano, da 62ª Feira do Livro de Porto Alegre. Até o momento, segundo o próprio Ronald, as respostas foram insatisfatórias, por parte dos organizadores (leia mais aqui).
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A organização de eventos literários de grande porte é constituída de diversos fatores: patrocínio, editoras, venda de livros, escritores internacionais e as verbas públicas que estão cada vez menores. Compreende-se que a equação é difícil, entretanto, me parece que prestar atenção nas escolhas étnicas e de gênero também deve fazer parte deste processo e que é preciso, em nome da diversidade, ampliar o campo de visão. Assim como o crítico Antônio Candido escreveu que a literatura é um direito básico para o ser humano, creio que o público leitor também tem o direito de ter acesso a outras experiências literárias que não girem em torno apenas de uma determinada classe ou cor.
A argumentação de que os escritores são chamados para os eventos porque atendem a uma estética universal e de qualidade é falha, primeiro porque o "universal" é apenas mais uma visão construída por um "centro" que não costuma olhar para as margens. E, segundo, porque é preciso compreender que a falta de negros em eventos e festivais literários não é um problema estético. É um problema político. Curadores e organizadores ainda parecem desconhecer o que é produzido fora dos círculos historicamente privilegiados das grandes editoras, desconhecem os estudos acadêmicos que mapearam e ainda mapeiam escritores negros pelo país, como bem colocou a escritora Conceição Evaristo em uma mesa da Flip.
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Por outro lado, colocar autores negros numa feira literária não significa que tenham de discutir apenas assuntos sobre a negritude, por exemplo. Escritores são escritores. Escritores negros não são militantes da causa negra. São militantes da causa literária. Não se trata de pôr fora os cânones da literatura ocidental. Talvez Machado de Assis não fosse Machado de Assis sem Shakespeare, Lima Barreto não seria Lima Barreto sem Cervantes.
Portanto, o que me parece estar em jogo aqui é a falácia de acharmos que a literatura não tem cor. Mas ela tem. Certamente, num mundo ideal, autores deviam ser lidos por seus livros e não porque são negros. Num mundo ideal, a escritora Carolina Maria de Jesus não deveria ser uma exceção, não deveria ser uma das poucas escritoras negras brasileiras a ser reconhecida, no entanto, este mundo ideal ainda não existe, e enquanto ele não existir, a reivindicação me parece justa e necessária.
Aguardemos.