Enfrentando péssimas condições, os imigrantes que vieram substituir a mão de obra escrava na agricultura trataram de se adaptar na chegada ao Brasil. Trabalharam, venceram, mas – num triste paradoxo – também copiaram os padrões racistas da elite branca do país. A temática, delicada, é o ponto nevrálgico do livro A reprodução do racismo: fazendeiros, negros e imigrantes no oeste paulista, 1880-1914, escrito pelo cientista social Karl Monsma, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A obra foi lançada dia 19 em Porto Alegre, pela editora EduFSCar.
O livro registra como, na virada do século 19 para o 20, explosões de intolerância por parte dos emigrados da Itália contra negros espocaram pelo interior paulista, onde os europeus se radicaram para plantar e colher café. A reprodução do racismo mostra que os imigrantes italianos não queriam ser supervisionados por negros, sequer receber conselhos. Leia os principais trechos da entrevista de Monsma:
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Como surgiu a ideia do livro?
Esse projeto começou quando entrei na Universidade Federal de São Carlos, aí por 1998. Um colega me convidou para integrar um grupo de pesquisa sobre história social da imigração. Aí comecei a reparar em um monte de brigas entre os agricultores, sobretudo entre italianos e negros. Achei mais de 50 casos em registros policiais de toda aquela região, guardados na Fundação Pró-Memória de São Carlos. Fiquei intrigado. Pesquisando com ajuda de vários bolsistas e do colega Oswaldo Truzzi, um dos principais estudiosos de imigração no Brasil, publiquei vários artigos. Deduzi que os imigrantes se sentiam "tratados como negros". Viviam em condições um pouco melhores, mas mesmo assim não muito boas, e tentavam se distinguir, assumir uma posição superior. Os negros, por sua vez, reivindicavam igualdade. Muitas brigas foram sobre quem devia respeito a quem.
Foi nessa época que o interior paulista passou por um processo de "branqueamento"?
Sim. No fim do século 19, passou de uma maioria não branca para uma maioria branca. Isso em cinco anos, entre 1888 e 1892. Um censo de 1907 mostra isso. Nessa data, metade das famílias de São Carlos, um dos principais municípios cafeeiros, era italiana. Ocorreu substituição de mão de obra. É curioso, porque São Paulo foi uma das raras regiões subtropicais da América, com clima ameno, a receber europeus para substituir mão de obra escrava. Lá e Cuba. Nas demais partes da América, os imigrantes foram para regiões mais frias, onde havia menos trabalho escravo e, consequentemente, menos negros.
E para onde foram esses negros?
Muitos continuaram como colonos. Mas a economia em expansão trouxe os imigrantes brancos, que superaram os negros em número. Trabalhavam lado a lado. Mas na cidade a discriminação contra os negros era mais forte, porque boa parte da indústria e do comércio era controlada por imigrantes, que favoreciam pessoas da mesma origem. À medida que surgiu uma elite de imigrantes – sobretudo italianos, mas também espanhóis e portugueses – o racismo deles em relação aos negros cresceu. Em contraste com os negros, eles faziam questão de mostrar uma identidade branca.
As condições trabalhistas dos imigrantes eram o que se chama hoje de trabalho semiescravo?
Com certeza e o livro fala disso. Fossem hoje, as condições dos imigrantes seriam consideradas análogas à escravidão. A dos negros, piores ainda. O trabalho infantil era regra entre os dois grupos. Muito da literatura histórica tradicional enfatiza as oportunidades que o sistema proporcionava para os colonos pouparem dinheiro, sobretudo pela venda de milho e feijão que podiam plantar. Mas enfatizo as dimensões autoritárias do sistema. Os fazendeiros precisavam de mais mão de obra na época da colheita, portanto, não deixavam os colonos se demitirem durante a vigência dos seus contratos anuais. Muitas vezes sequestravam filhos ou bens de colonos que tentavam fugir. Nas relações cotidianas, os administradores impunham multas por pequenas faltas. Eles tratavam os negros de maneira ainda pior, usando a violência contra eles mais rapidamente. Mas o nascimento de uma elite italiana em São Paulo começou a reverter esse preconceito nutrido contra os imigrantes. Já os negros continuaram isolados.