O Brasil precisa urgentemente de uma direita inteligente e contemporânea. Escorraçar a esquerda não basta, nem caracteriza um conjunto de ideias que possa animar um projeto nacional. Tampouco basta realizar políticas antissociais ou cevar com benesses aos brasilionários e ao grande capital, local ou forâneo. É preciso mais, e na derrubada do PT, comemorada como demissão da esquerda, o que assumiu não foi o que se possa chamar de direita, mas uma espécie de rapinagem política e empresarial em que predomina o arrivismo e a alienação, com grande retrocesso cultural, e nada se vê de futuro histórico.
O problema essencial de todas as sociedades históricas é a desigualdade social. Quando cresce o abismo entre pobres e ricos, amplia-se a tensão social e a ameaça da violência. Há também desumanidade nisso, e bem grave; não há vergonha maior para uma nação do que ver seus filhos pequenos morrerem de fome, crescerem sem educação decente e sofrerem por doenças curáveis. Vale o mesmo para os velhinhos – que vergonha maior do que legar penúria a quem já passou a vida em fadigas, e definha?
A alternativa de esquerda é priorizar estratos carentes como alvo das políticas públicas. O efeito é notável, e o Brasil o conheceu de perto nos últimos anos, com a ascensão social das classes E e D para D e C, e a consequente redução da miséria. O efeito reverso é que há um custo, a drenagem de riqueza por via fiscal, com risco de endividamento. Sabe-se que este custo não é alto, pois além da melhora na qualidade de vida, a ampliação da camada economicamente ativa é um poderoso estímulo ao desenvolvimento, e a maior produção de riquezas e serviços tem ciclo fiscal virtuoso.
A alternativa de direita, proveniente do liberalismo do início do século XIX, preconiza um Estado ausente ou mínimo, acreditando que sem este e sem os impostos tem-se um ciclo de florescimento das potencialidades do indivíduo e da ação empreendedora, que isto gera riqueza em grau maior, e que esta reverte em benefício social. Esta tese deixa várias questões em aberto. No caso do Brasil, em que 82% da população tem renda familiar menor que R$ 3.390,00, como se dá a ascensão pelo trabalho? Outro ponto: como assegurar que todos tenham condições de florescer, se a largada é viciada, e alguns corredores partem com vantagem quilométrica, reforçada ao longo da disputa? O Brasil, ademais, é um tipo de fim de mundo em que a alta burguesia é contra uma sociedade burguesa, culturalmente emancipada e economicamente ativa. Pior, quando a direita "liberal" acha que liberdade é vender armas ou não pagar impostos, fica evidente sua absoluta insuficiência. É possível, afinal, que o liberalismo e a direita não disponham de quadros capazes de equacionar a questão histórica e responder ao desafio, pois em seu vocabulário não consta combate à miséria, nosso grande flagelo.
Na falta de programa de Estado, ficamos expostos ao pior tipo de direita, a de viés conservador e obscurantista. Eis o caldo em que criacionistas, torturadores, inimigos da liberdade, agressores da educação e outros párias ganham cena, em um triunfalismo de rancorosos sem programa. Junto com estes, aparecem as aves de rapina tradicionais para raspar o que podem do tesouro nacional – sobretudo oligarquias (privadas e estatais) – o que, nesta revanche orçamentária, só pode ser feito à custa dos direitos e benefícios sociais. Diante, pois, do presente triunfo do antiesquerdismo (golpe e hipergolpe), precisamos também de pensamento e ética de direita. Precisamos, ainda mais, de um mundo sem direita e esquerda, em que a lucidez e a busca do bem comum sejam consenso, mas isso talvez seja idílio de Poliana ou romântico retorno ao mito.
* Francisco Marshall escreve mensalmente no Caderno DOC.