23 de maio – O mulá Akhtar Mansour, um dos máximos líderes da guerrilha afegã Talibã, atravessa em seu carro japonês as áreas tribais da fronteira de seu país com o Paquistão. Súbito, do céu azul sem nuvens, desce um objeto de metal que desaba sobre o veículo com a velocidade de um raio, incinerando o chefe guerrilheiro e seus guarda-costas.
Foi a 40ª morte de líderes terroristas ou guerrilheiros promovida pelos EUA em pouco mais de um ano, desde janeiro de 2015. Alguns poucos foram mortos a tiros, outros por mísseis disparados de navios – a maioria foi aniquilada com uso de drones que disparam projéteis contra veículos ou residências. É a tecnologia a serviço da antiga prática do assassinato seletivo de inimigos dos americanos, abençoada inclusive pelo presidente Barack Obama.
A grande novidade é que os papéis estão invertidos. O programa de assassinatos direcionados – eufemisticamente chamado "neutralização de inimigos" – é conduzido pela CIA, agência que deveria espionar, não matar. Já o Pentágono, onde ficam os chefes militares, criou uma unidade chamada Comando Conjunto de Operações de Guerra de Informação, dedicada à espionagem.
"Hoje o militar faz espionagem e o espião mata. O problema é que nem sempre isso está certo. Ou dá certo", resume o jornalista Mark Mazzetti, que levou 15 anos para escrever Guerra secreta: a CIA, um exército invisível e o combate nas sombras (Editora Record, 392 páginas). Mazzetti é correspondente de segurança nacional do jornal The New York Times em Washington (EUA). Venceu um prêmio Pulitzer (o mais prestigiado em jornalismo no mundo) com relatos sobre as guerras do Iraque e Afeganistão.
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Foi nessa convivência diária com funcionários públicos de Washington que o repórter começou a pesquisar as mudanças ocorridas no establishment industrial-militar americano ao longo das últimas décadas. O livro mostra que a CIA nasceu na II Guerra com intenções mortíferas: aniquilar lideranças nazifascistas. Mas logo se tornou o que lhe geraria fama, uma máquina azeitada de espionagem e fabricação de golpes de Estado. Passa por aí, por exemplo, a conspiração para derrubar o presidente brasileiro João Goulart, em 1964.
Após décadas de sucesso, a CIA sofreu um duro revés durante a gestão de Jimmy Carter, um liberal, que virou presidente dos EUA entre 1977 e 1981. Cansado de ouvir sobre técnicas de tortura que os espiões de seu país estariam ministrando em ditaduras sul-americanas, Carter amordaçou a agência e proibiu os agentes de cometerem assassinatos. Foi o início de uma maré baixa para a espionagem, agravada pelo escândalo Irã-Contras, quando espiões e militares americanos foram forçados a admitir que contrabandeavam armas iranianas para os guerrilheiros anticomunistas na Nicarágua.
A política de "neutralização" seletiva de adversários do governo americano hibernou durante umas duas décadas, até os atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA. Aí quase tudo voltou a ser permitido na guerra secreta contra a Al-Qaeda e outras organizações terroristas – desde interrogatórios de suspeitos com afogamentos a detenções em prisões "fantasmas" de regimes autoritários "amigos". É desse período que trata a maior parte da obra de Mazzetti, que não só entrevistou chefes da espionagem militar e civil como viajou aos países afetados pelos conflitos.
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O jornalista e escritor revela como até campanhas de vacinação na Ásia foram usadas para acobertar o trabalho de médicos-espiões. Como grupos inteiros de auxílio humanitário eram formados por agentes disfarçados. A novidade: militares de equipes especiais do Pentágono fazendo isso, em vez de civis. Já a CIA está por trás dos modernos assassinatos. Alguns antigos espiões se remoem de inveja ao ver que drones são usados para acabar com os inimigos americanos, relata Mazzetti. Como no casos de Charaffe al-Mouadan, considerado braço-direito do líder da célula do Estado Islâmico (EI) responsável pelos massacres terroristas em Paris, em novembro. Mouadan morreu na parte central da Síria, em dezembro, num ataque aéreo cirúrgico que usou rastreamento de celular. Já Abdul Kader Hakim, um dos chefes do EI em Mossul, norte do Iraque, foi morto em dezembro por uma equipe conjunta de militares-espiões americanos, que descobriram seu endereço e guiaram um bombardeio com mísseis a sua casa. Outro alvo – desta vez, de um drone – foi Nek Muhammad Wazir, que dava abrigo, no Paquistão, a combatentes sauditas e chechenos ligados à Al-Qaeda.
GUERRA SECRETA: A CIA, UM EXÉRCITO INVISÍVEL E O COMBATE NAS SOMBRAS
Mark Mazzetti
Tradução de Flávio Gordon
Record, 392 páginas, R$ 44,90