Quase um mês e meio depois de a população de Porto Alegre começar a sentir gosto e cheiro ruins na água, ainda não há respostas cristalinas para o que estaria causando as alterações no abastecimento.
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Embora bactérias não tóxicas chamadas actinomicetos sejam apontadas como a origem mais provável do problema, a demora para a divulgação de análises científicas e o desencontro de informações por parte do Departamento Municipal de Águas e Esgotos (Dmae), do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) e da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) mantém os consumidores sem solução à vista. Segundo o Dmae, o líquido ainda atende aos critérios de potabilidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e não oferece riscos.
Na segunda-feira, técnicos da Fepam visitaram a casa de bombas da Trensurb, na Zona Norte, onde acreditam estar o foco da proliferação dos micro-organismos. No local, foi verificado um forte odor semelhante ao que sai de torneiras e chuveiros. Os actinomicetos são bactérias encontradas com frequência no solo, mas também podem se reproduzir na água.
– Actinomicetos produzem uma substância chamada geosmina, que causa o sabor de terra na água. Esse composto não é tóxico, e actinomicetos de ambiente aquático não são patogênicos – esclarece a professora de microbiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Sueli Van Der Sand, que pesquisa essas bactérias.
O problema é que a falta de clareza e transparência se assemelha à turbidez da água encontrada na estação da Trensurb. Em diversas oportunidades, houve desencontro de informações oficiais. Dias depois de admitir as alterações na água, em 27 de maio, o Dmae informou ter firmado uma parceria com o Instituto de Química da UFRGS para investigar a origem das alterações. Depois, negou que o instituto tivesse analisado a água.
Pouca clareza nas informações
O problema é que a falta de clareza e transparência se assemelha à turbidez da água encontrada na estação da Trensurb. Em diversas oportunidades, houve desencontro de informações oficiais. Dias depois de admitir as alterações na água, em 27 de maio, o Dmae informou ter firmado uma parceria com o Instituto de Química da UFRGS para investigar a origem das alterações. Depois, negou que o instituto tivesse analisado a água.
O instituto, porém, confirmou ter feito testes e explicou que não poderia revelar os resultados em razão de um contrato de confidencialidade.Também há versões diferentes para a possível presença de esgoto doméstico e resíduos industriais na casa de bombas da Trensurb. O chefe de fiscalização da Fepam, Renato Zucchetti, aposta em contaminação cloacal e de efluentes de indústrias no ponto que deveria receber apenas esgoto pluvial:
– Pelo odor no local, acredito que há esgoto cloacal, sim.O Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), responsável pela canalização que capta a água da chuva, informa que o escoamento de resíduos domésticos e industriais só é permitido em redes pluviais quando não há rede cloacal na região, o que não é o caso. Se esgoto doméstico ou industrial contamina a estrutura pluvial, a responsabilidade passa a ser do Dmae – que confirma a existência da estrutura de esgoto cloacal na área, mas nega que esteja contaminando a rede do DEP.
A possibilidade de resíduos industriais estarem causando as alterações já estava no horizonte da Fepam quando foi encomendada uma análise para um laboratório de São Paulo, no fim do mês passado, que investiga a presença de 220 possíveis poluentes. À época, uma fonte da Fepam disse que as suspeitas convergiam para poluentes vindos de atividade industrial.
O mistério envolvendo a água da Capital, segundo a coordenadora do curso de Engenharia Ambiental da Unisinos, Amanda Kieling, também demonstra fragilidades do tratamento feito atualmente no país. O processo de purificação exigido pelo governo federal, conforme a Fepam, testa menos de 70 substâncias. Para Amanda, não é o suficiente para garantir a eliminação de todos os poluentes.
– Hoje, trata-se muito efluente industrial, além da água bruta, e o tratamento convencional não dá conta – avalia.
A demora na divulgação de resultados conclusivos também intriga o vice-diretor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, Carlos Bulhões Mendes:
– É uma situação, no mínimo, inusitada.